Allen, o travesso (publicado originalmente em 18/4/2007)
Esse Woody Allen é realmente um fanfarrão inescrupuloso. E ele gosta disso. Seu “Scoop – O Grande Furo” (2006), que estreou há três semanas no Brasil, é um filme autogozador. E este ato de se chufar é típico dele. O longa, protagonizado novamente pela bela Scarlett Johansson, zomba da obra anterior dele, “Match Point – Ponto Final” (2005). Apenas os grandes professores de cinema sabem honrar feitos desta amplitude. Se recordarmos com zelo, veremos que “Match Point” abordava tema bastante fácil de ser explorado: o profissional que quer ascender na carreira, mas comete erros e, para não pagá-los, safa-se como pode. Então, tínhamos o treinador de tênis namorado de uma rica jovem, e amante de uma aspirante a atriz, Nola (papel de Scarlett). Nola engravida. Para não perder a chance de se tornar poderoso empresário, mata a namorada bonitona. Livra-se da prisão por incompetência da polícia e vive feliz para sempre. Em “Scoop”, o jogo é igual, mas com chistes constantes. Scarlett é Sondra, estudante de jornalismo. Numa apresentação do mágico veterano (interpretado por Allen), ela recebe o espírito de Joe Strombel, repórter morto recentemente, que lhe dá um furo jornalístico (daí o nome do filme ser “Scoop”): Peter Lyman, famoso aristocrata inglês, é o assassino do Tarô.
O acusado, bonitão e com ar de anjo europeu, fisga a personagem de Scarlett, assim como em “Match Point”. O lado cômico é Sidney Waterman, o mágico feito por Woody Allen. Suas tiradas do mais fino humor britânico jogam sal na trama. É precisamente neste ponto que a fita do ano passado destoa da de 2005. Allen escreveu, dirigiu e representou no longa de 2006. Portanto, sua participação teria de ser bem notada. Isto ocorre. Ele é palhaço sem maquiagem. Seu rosto caricato vinga como a água que cai da torneira. O jeito gago de falar (“Quando era pequeno, fui gago”, diz ele, embaralhado e desajeitado, na película – faz cócegas em um problema de infância real) acentua sua finalidade na obra: informar que aquele trabalho nos sets não tem tanta importância. Ao fazer par com a segunda musa de sua trajetória profissional (a anterior foi Mia Farrow, com quem se casou), atua igual àquela criança que está lado a lado com a paquera da tenra idade. Parece querer fazer de tudo para agradar Scarlett (no caso, Sondra). As seqüências hilariantes do roteiro são a maioria, ao contrário do que foi em “Match Point”, quando mexeu no caldeirão do humor negro. Com “Scoop”, o travesso Woody Allen apronta com os jornalistas. Mais: fecha o filme com uma cena inocente, emotiva e bem sensata.
O tipo xendengue, imprestável e atrapalhado de Allen em “Scoop” contrasta com a força brutal e desportista Lyman (personagem do ator Hugh Jackman, o Wolverine dos filmes “X-Men”). A fita esboça este antagonismo. O longa-metragem é imperdível e impagável. O cineasta investiu somente US$ 4 milhões e fez todo roteiro pensando em Scarlett como Sondra. Muitos consideraram a história fraca e previsível. É uma opinião. Mas entender as faces de Allen vai muito além de meras opiniões.