Oliver Twist dirigiu Mr. Bean (publicado originalmente em 11/4/2007)
De todos os filmes feitos sobre a fascinante história de Oliver Twist (há listas com 23 fitas com este título, outras com 26), talvez a mais lembrada e famosa seja a de 1948. Nela, não apenas o script lhe foi favorável, mas também o ambiente mundial do planeta àquela altura: pós-Segunda Guerra. No mundo devastado pelas travessuras de nazistas e fascistas, veio Oliver, menino órfão de pai e mãe, e criado sempre em locais diferentes. Até que cai nas mãos de um gângster dono de uma quadrilha de pré-adolescentes acostumados a roubas nas ruas de Londres. Então, naqueles passes de mágica com a varinha de condão das fadas, Oliver tromba com seu avô (o garoto não sabe que se trata do seu avô). Este, que sabe do passado da criança, o leva para sua casa a fim de ‘adotá-lo’. Mas, pelos infortúnios da vida, o jovem, sem querer, escorrega novamente para o mundo do crime. Finalmente, a trupe de gatunos é presa, e Oliver pode agora desfrutar dos confortos da casa e dos infinitos mimos do avô.
Das fitas antigas de “Oliver Twist”, a de data mais remota assoprou ano passado as velinhas de 100 anos, é de 1906. O nome não poderia ser mais sugestivo à época: “O Moderno Oliver Twist”. A seguir, outra representação montada pouco tempo depois, de 1909. Tanto a de 1906 como a de 1909 foram dirigidas pela mesma pessoa, J. Stuart Blackton. Depois, nas décadas posteriores, de 1912 até 2005, quando foi rodada a última adaptação da obra do escritor Charles Dickens, dezenas e dezenas de atores passaram os bastões aos outros, nos personagens centrais e coadjuvantes da trama. Mas é bom voltarmos ao filme de 1948. David Lean, o mesmo de “Laurence da Arábia” (1962) e “Doutor Jivago” (1965), foi o diretor. Pôde contar com Alec Guinnes, a verdadeira lenda do cinema mundial, que começava sua carreira (era somente seu terceiro longa-metragem). Guiness se destacaria, não por pura coincidência, nos dois outros trabalhos de Lean citados aqui: “Laurence...” e “Doutor Jivago”.
O ator interpretou Fagin, aquele líder do bando de menores mal encarados. Aos 34 anos, tinha ali sua bela chance de alavancar a carreira. Seu papel era de destaque e ele não deixou a peteca cair. Bem maquiado, com o nariz à moda Nicole Kidman em “As Horas” (2002), e cabelão comprido, o ator impôs sua voz gutural e conseguiu arrancar medo dos espectadores. Enquanto a fita estava em cartaz, é bom lembrar, houve um movimento para tirá-la de circulação, pois consideraram (notem a ingenuidade daquele tempo) o personagem Fagin anti-semita. A medida ‘preventiva’ quase deu certo, mas não vingou. Outro ponto de destaque na película de 59 anos atrás é Robert Newton, que deu vida a Sikes, o pior dos bandidos da região londrina do século 19 (a história de Dickens se passa em mil oitocentos e qualquer coisa). A frieza de Sikes ajudou a sustentar o sucesso da fita e dar, no fim, o tão aguardado ‘happy end’: maus feitores terminam sempre presos, mortos ou humilhados publicamente.
Charles Dickens, o autor, por sinal, poderia muito bem ter sua vida vasculhada pela sétima arte. Estão na sua biografia, por exemplo, o casamento de 22 anos com Catherine Hogarth e os dez filhos que tiveram. As peças deste inglês incluem ainda aventuras do mágico David Copperfield (o original) e o mistério de Edwin Drood, publicado após a morte dele, aos 58 anos, em 1870, causada devido a hemorragia no cérebro. Seu “Oliver Twist”, redigido em 1837, quando ele contava 25 anos, recebeu, além das inúmeras adaptações para o cinema e teatro, a consagração por seu desempenho. Os escritos dele foram à exibição mais de 200 vezes (ele foi autor de peças de relativo sucesso). Curiosamente, nenhum dos Olivers Twists recebeu indicações ao Oscar. Nem sequer a ator coadjuvante, por fazer o personagem Oliver Twist. Em 1948, o papel coube a John Howard Davies. Atualmente aos 68 anos, Davies é diretor, produtor. Em 1997, em um daqueles lances que só a coincidência pode aprontar com todo mundo, esteve à frente de alguns episódios da série de humor Mr. Bean, da Inglaterra.
Como ator, Davies estreou em “Oliver Twist”. Trabalhou em menos de dez longas-metragens, até, aos 19 anos, em 1958, encerrar a carreira. É interessante abordar casos como o de Oliver Twist. “Romeu e Julieta”, a eterna peça do inglês William Shakespeare, também foi transferida do papel ao mundo real dezenas de vezes. Nem todas satisfatórias, pelo que se lê por aí. Assim acontece com a obra mais importante de Dickens. Há diferenças entre a fita de 1948, a de 2005, dirigida por Roman Polanski, de 1968 (“Oliver!”, comandada por Carol Reed, o mesmo de “O Terceiro Homem” – 1949) e as tantas encenações mostradas nos canais de televisão. Mas a trajetória do pobre garoto órfão, com todos os suspenses e reviravoltas, se mantém praticamente intacta, de uma forma ou de outra.