Arroz com Silvana (publicado originalmente em 21/3/2007)

No lançamento do filme “Arroz Amargo”, em meados de 1948, não se sabe qual foi o impacto maior: o sucesso da história das ‘bóias-frias’ italianas numa plantação de arroz nos cafundós do país ou a descoberta de uma estrela adolescente chamada Silvana Mangano. Aos 18 anos, a jovem atriz despontou para a Itália como concorrente direta do ícone Sophia Loren, então quase na mesma faixa etária. Dirigido por Giuseppe de Santis, “Arroz Amargo”, junto com “Ladrão de Bicicleta” (1948), de Vittorio DeSica, marcou a fase conhecida como neo-realismo italiano, nos anos 1940 e 50. A fita de Santis narra a brava luta das trabalhadoras de uma área pobre da Itália após o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O filme mostra todo o tipo de exploração pela qual as serviçais tinham de se sujeitar para ganhar mais um trocado. Dormir no chão ou em um monte de capim amontoado num canto, por exemplo, ou passar o dia com fome sem saber se comerá algo nas próximas 24 horas.

Silvana interpretou a personagem que levou seu nome. Adolescente, bonita, à procura de uma vida fácil e nada produtiva, ela se destaca entre as alvissareiras italianas que caminham diariamente rumo à água e à lama. Quando Francesca (Doris Dawling) chega para trabalhar, levando com ela um precioso colar supervalioso, Silvana logo fica sua amiga. O que a jovem não sabe é que Francesca é namorada de Walter (Vittorio Gassmann, o ator sempre presente nos longas-metragens italianos desta época), malandro de marca maior, que quer se aproveitar de todo mundo. Ele tem um plano: desviar a produção de arroz inteira para seu caminhão e fugir carregado do alimento. Nem se importando em prejudicar aquelas empregadas que suaram para ver o resultado depois. Ao observar que pode levar alguma vantagem naquilo, Silvana se une a Walter e deixa Francesca de lado. Porém, a ingenuidade da moça a faz tropeçar em seus próprios pés. Lição de moral: se arrepender, somente, não adianta.

Aparte do fim trágico e pesado, “Arroz Amargo” tem seus momentos inesquecíveis. As cenas de dança, nas quais estão Silvana e Walter se destacam. O ritmo é o tom da película: intrigante, mas ao mesmo tempo tocante. Outro ponto alto é o local onde foram realizadas as filmagens. A vasta terra da região dos trigais era magnífica. O imenso lamaçal pelo qual passavam as trabalhadoras era muito impressionante. Entretanto, como citei anteriormente, coube a Silvana Mangano o papel de deusa de uma era. Recentemente, no jornal Folha de São Paulo, o jornalista e escritor Ruy Castro recordou-se de Silvana como “as mais belas coxas” do cinema, ao fazer referência à fase juvenil dele. De fato, ela está para a década de 1940 assim como Audrey Hepburn esteve para anos 1950 e 1960 e, dos 1970, a brasileiras Leila Diniz e Sônia Braga. E a italiana era italiana, quer dizer, não pertencia à cota norte-americana de se fabricar ídolos a esmo. Silvana se sobressaiu pelo talento. Ah, pelas coxas também...

Ao se fazer pesquisa sobre ela, encontra-se pouco material. No Brasil, não existe biografia cujo tema seja Silvana. As fitas em que ela atuou são raríssimas aqui. “Arroz Amargo” se encontra com dificuldade e é o trabalho em que a atriz mais brilhou. Rodou filmes com importantes cineastas de seu país e da Europa em geral. Na vida particular, era discreta. Casou-se com Dino de Laurenttis, um produtor compatriota. Teve quatro filhos. Certa vez, foi definida pelo diretor Alberto Lattuada como “uma mulher cuja beleza é resumo de classicismo e modernidade, imagem na qual há toda a essência da grande pintura do século 15, mas que também poderia servir de modelo para mestres modernos”. Além de “Arroz Amargo”, arrancou o aplauso da crítica em “Morte em Veneza” (1971), “Teorema” (1968) e “Violência da Paixão” (1972). Silvana morreu precocemente em dezembro de 1989, aos 59 anos, vítima de câncer no pulmão, pois era fumante incessante. A esta altura, residia na Espanha.

Tal como Audrey Hepburn, ao desaparecer não ostentava a beleza de outrora (Audrey morreu de câncer aos 62 anos), mas eternizou-se como musa de duas gerações. Silvana não se resume a sua atuação em “Arroz Amargo”, naquela seqüência final em que caminha rumo ao desconhecido. Ela não é ‘apenas’ isso. É um símbolo da sensualidade italiana, símbolo do neo-realismo do país da bota.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 14/08/2009
Código do texto: T1754546
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.