“Pecados Íntimos” (publicado originalmente em 14/3/2007)
O título original em inglês de “Pecados Íntimos” (2006) é “Little Children” (Criancinhas). E o diretor Todd Field acertou na mosca ao nomeá-lo assim. Todos os cinco personagens centrais estão ou estiveram tomados por comportamentos infantis, sem ter responsabilidade suficiente para encarar problemas com soluções adequadas. Começa-se com Sarah (a sempre competente Kate Winslet), a professora de literatura que vê a carreira com frustração por não conseguir um bom emprego. Desta feita, costuma levar a filha, Lucy, ao parque do bairro aonde reside. Emenda-se com Richard (Gregg Edelman), casado com Sarah. É aquele administrador de empresas ocioso do cotidiano que se diverte em páginas pornográficas na internet. Segue-se com Brad (Patrick Wilson), jovem recém-formado em Direito que enrola em prestar seu exame da Ordem dos Advogados, e, desempregado, também se dirige diariamente ao parque para brincar com o filho, Aaron. Termina com Ronald (o ótimo Jackie Earle Haley), o ex-molestador de menores livre da cadeia, controlado pela mãe, e que agora ronda o bairro de Sarah e Brad. Apenas Kathy (a bela Jennifer Connely), esposa de Brad, a documentarista do tipo workaholic, aquela que mal pára em casa e vive para o trabalho, é a sã deste longa-metragem.
“Pecados Íntimos” é um filme forte e pesado. Escancara as situações do dia-a-dia com as quais deveríamos estar acostumados, mas, recatadamente, não estamos. Exibe aos voyers as máscaras que caem com o tempo. São personagens cujas boas ou más intenções qualquer um pode se deparar neste mundo de hoje, onde as pessoas se preocupam demais em manter aparências como simples fachadas para comportamentos escusos e escabrosos. O termo “criancinhas”, na realidade, aborda como serão Lucy e Aaron quando ficarem adultos. Vão se transformar em cópias dos pais ou, ao notar a maneira deles agirem, acabarão o oposto: responsáveis e cuidadosos? Esta pequena análise é uma das tantas alternativas a que a fita se propõe, além da óbvia. As cenas mais ousadas cabem bem na trama, pois detalham mais a inexperiência dos protagonistas em lidar com decisões problemáticas. O roteiro, de Field e Tom Perrotta, esmiúça as sensações deles: paixão, desejo, compreensão, curiosidade, traição, incompetência, ingenuidade etc. O diretor trabalha corretamente em não usar atores para seqüências chulas ou desnecessárias. Em todas ações, há um porquê, um motivo. Digamos que Field “não joga a cena fora” por bobeira. Ele a aproveita com características tenazes e é cumplicidade do seu público.
Após assistirem ao longa, lembrar-se de “Beleza Americana” (1999) e “Closer – Perto Demais” (2004) é comum. São filmes de temas semelhantes. Mas não podemos confundi-los. Cada um é cada um. Seria como se perguntássemos à sociedade o que ela faz às escondidas. Alguns imaginam, outros têm certeza, a maioria conhece a fundo, mas ninguém possui coragem suficiente para desmistificar os acontecimentos. Aí, cabe à arte (teatro, cinema, televisão, peças publicitárias, enfim) ordená-las e, a todos, sem exceção, exibi-las. A palavra hipocrisia, atualmente tão gasta pobremente, deve ser dada a devida importância. Colocar ‘os pingos nos is’, reproduzindo o ditado. Fitas deste tipo – incluem-se na lista “A Última Tentação de Cristo” (1987) e “O Prisioneiro da Grade de Ferro” (2003), para dar dois exemplos completamente distintos – enobrecem a sétima arte, de tão sinceros que são. Fazem os espectadores terem pena dos personagens. E o propósito nem necessariamente é esse, mas, no fim das contas, é o que ocorre. Pensamos: “Coitados. Não sabem o que querem e talvez jamais saberão.” Em síntese, teoria dos desavisados. “Cada qual no seu canto e em cada canto uma dor”, como Chico Buarque na sua música “A Banda”. No egoísmo das vidas, “Pecados Íntimos” apertas as feridas.
A fita concorreu a três Oscars na festa de 25 de fevereiro. Kate Winslet esteve no ranking das cinco melhores atrizes. Perdeu para Hellen Mirren, de “A Rainha” (2006). Jackie Earle Haley figurou entre os atores coadjuvantes. Quem levou a estatueta foi Allan Arkain por “Pequena Miss Sunshine” (2006). Por fim, foi finalista em roteiro adaptado, porém “Os Infiltrados” ficou com o prêmio. Sair derrotado, desta vez, não. As três fitas ganhadoras têm seus méritos e são mais bem acabadas ao se comparar com “Pecados Íntimos”. O filme de Field conta com atores medianos. Este é o ponto fraco do drama. Kate e Haley estão razoáveis, mas precisam segurar o resto do elenco para que o longa não perca o rumo. E a base, firme, navega pela película inteira. Mesmo assim, safa-se de modo comum: a história é boa demais.