Realeza (publicado originalmente em 14/2/2007)

O cinema britânico é requintado e elegante. Claro, o bom cinema britânico. Levemos em conta os filmes tradicionais e belos como os recentes “Assassinato em Gosford Park” (2001) e “O Jogador” (1992), ambos dirigidos sob a assinatura de Robert Altman. Há, de certo, trabalhos de Woody Allen, talvez o mais notado profissional inglês da sétima arte nos últimos tempos por seus filmes passados na quieta Londres, como, por exemplo, “Match Point –Ponto Final” (2006). E é desse ramo detalhado e exacerbante que vem Stephen Frears, 65 anos, cuja obra, “A Rainha”, estreou sexta-feira no Brasil. A trama se desenrola a partir da trágica morte da princesa Diana, em 31 de agosto de 1997, durante uma perseguição de paparazes ao carro onde estava ela e seu namorado. O longa-metragem exibe o acuado comportamento da rainha Elizabeth II acerca dos acontecimentos. O Palácio de Buckingham se cala diante das inúmeras manifestações do povo inglês e não hasteia sua bandeira da coroa a meio mastro. Tudo isso em um primeiro momento. Mas depois, pela influência do então recém-empossado Primeiro-Ministro britânico, Tony Blair, ela, a tão e tal soberana de seu reinado, se rende às pressões e decide prestar a singela homenagem para a princesa morta. Era o conservadorismo dela morrendo...

Entretanto, além de “A Rainha” já entrar para panteão das fitas inglesas mais destemidas destes ares, o que vale sublinhar aqui é a atuação de Hellen Mirren como Elizabeth II. Confesso aqui nunca ter visto antes um filme com a participação dela. Ou pelo menos não me recordo de nenhum. E ela surpreende. Desde o primeiro take, no qual um pintor esboça seu retrato e fala com ‘sua majestade’, nota-se o rigor de uma rainha. A soberania é imediata. Hellen, de fato, se transforma em Elizabeth II em um grau de semelhança incrível, tal como em “Cazuza – O Tempo não Pára” (2005) ocorreu com o ator Daniel de Oliveira ou com Bruno Ganz como o ditador nazista Adolf Hitler em “A Queda – As Últimas Horas de Hitler” (2005). Desde os óculos grandes, o olhar, a maneira de se expressar... Tudo ajuda a atriz inglesa, de 61 anos (a rainha estava com dez anos a mais em 1997, data em que se passa a história). A fita expõe aos espectadores como é o cotidiano da clausura onde a família real passa seus dias. Mostra as rabugices do príncipe Philip (marido de Elizabeth, feito por James Cromwell) e sutis ironias da rainha Mãe, interpretada por Sylvia Syms, de 72 anos (seu personagem tinha 93 anos na época – a rainha Mãe morreu em meados de 2002, não chegou a completar 102 anos de idade).

Segundo os críticos, Hellen tem tudo para levar para casa o Oscar de melhor atriz. Além dela, a fita concorre nas categorias filme (há uma incógnita sobre o favorito, pois cada semana alguém brilha mais), direção (Stephen Frears é a zebra, injustamente, mas é, pois o páreo está entre Clint Eastwood: ‘Cartas de Iwo Jima’ e Martin Scorsese: ‘Os Infiltrados’), o roteiro original (“A Rainha” deve perder para “Pequena Miss Sunshine”, o que seria deveras justo, ou “Babel”) e trilha sonora. O ator Michael Sheen, que encarna o político Tony Blair (se parecem fisicamente, inclusive), merece elogios por seu feito. Com destreza, interpreta o Primeiro-Ministro com ar de sofisticação. A mudança de Blair em “A Rainha” é mostrada pelas cenas dos encontros dele com a personagem-título. No primeiro, ele e a esposa estão nervosos e ansiosos em vê-la. Não sabem direito os protocolos de como se cumprimenta uma rainha etc. Já na conversa posterior, no fim do filme, está mais seguro de si e trata Elizabeth II como se estivesse na cozinha de sua casa, evidentemente com o devido protocolo. Foi uma imagem importante da história inglesa. O reinado dela estava ameaçadíssimo pela falta de popularidade. Caso houvesse um escorregão, séculos de dinastia estariam a caminho do ralo, após anos de popularidade.

Há aí uma alteração de comportamentos. “A Rainha” mostra, em primeiro plano, o poderio de Elizabeth II. Todos sob sua tutela e responsabilidade. As entranhas do Palácio aparecem e vemos os membros dela em discussões, refeições e articulações. Philip, em meio ao que fazer quando a notícia da morte de Diana é publicada, vai com os netos caçar e desdenha de Blair. “Não devemos ceder a um iniciante pretensioso”, ele diz em certa seqüência, sobre a insistência de Blair em querer a rainha na televisão dando satisfações sobre os sentimentos pela morte da princesa de Gales. Era a entrada da família real na mídia. Enfim, “A Rainha” é, antes de tudo, um filme inglês. Com a clássica realeza.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 12/08/2009
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