Vá ver “Volver”, de Almodóvar (publicado originalmente em 20/12/2006)
Pedro Almodóvar, assim como outros tantos diretores com estilo, gostam de trabalhar sempre com os mesmos atores e atrizes. Em “Volver”, filme que estreou aqui algumas semanas atrás, não foi diferente. Estão lá Penélope Cruz – esteve com ele nos filmes “Carne trêmula” (1997) e “Tudo sobre minha mãe” (1999), e Carmen Maura – trabalhou com ele em sete fitas, sendo a mais conhecida delas “Mulheres a beira de um ataque de nervos” (1988). No longa-metragem de 2006, fazem mãe e filha. Penélope é Raimunda, uma mulher que beira os 35 anos, tem uma filha adolescente (interpretada por Yohana Cobo) e um marido beberrão e vadio, Paco (Antonio de la Torre)o. Por isso, precisa trabalhar em vários empregos. Está no restaurante, é empregada etc. A irmã dela, Sole (a atriz Lola Dueñas, de “Mar Adentro”, de 2004), é cabeleireira em um salão ilegal na Espanha. Essa vidinha tem seus bons e maus momentos. Mais maus. Há a tia Paula (Chus Lampreave), doente, no fim da vida. E Agustina (Blanca Portillo), a vizinha de tia Paula, que fuma maconha e aguarda o regresso de sua mãe, fugida de casa há três anos. Nestes tantos problemas, outro surge para Raimunda: sua mãe volta dos mortos.
Bom, também não é desta forma. Como um bom trabalho de Almodóvar, existem diversos pus a serem expostos ao público. O repentino assassinato de Paco. Depois, como faria para esconder seu corpo? Em seguida, morre tia Paula. Agustina recebe a notícia de que possui uma doença incurável. E todos esses fatos ocorrem quase simultaneamente, seguida carreira. Raimunda, quando o dono do restaurante se muda, começa a tomar conta do lugar, ainda mais quando o grupo enorme de cineastas baixa na cidade devido às filmagens. Eles almoçam, jantam e querem uma festa de despedida lá. De certo, a caixa registradora do restaurante fatura. Mas o dinheiro farto não resolve problemas. Ah, e a mãe de Raimunda que retorna... Na verdade, a velha dona Irene morrera em um trágico incêndio. O marido estava com ela. “Mamãe morreu feliz, ao lado do homem que amava”, diz Raimunda logo nas cenas iniciais de “Volver”, cuja seqüência se passa no cemitério, envolta a uma empolgante música caribenha e letreiros do filme se confundindo com as lápides. Bastante original. É Sole a primeira a ver a mãe ressuscitada. Para protegê-la, esconde-a no salão de beleza ilegal, ou seja, na própria casa.
“Volver” é um belo longa onde cada pessoa tem algo para esconder, seja a morte do marido (no caso de Raimunda), a mãe-zumbi (o imbróglio de Sole), os segredos do passado (caso de Agustina) e até Irene, a mãe-zumbi (ela tem coisas a dizer). Nesta trilha, a película ganha ares de rodamoinho, no qual todos, a qualquer instante, terão sua volta decretada, a sua vez de jogar. O mais interessante, de um modo ou de outro, é a interligação que estes casos possuem. Estão intrincados de maneira sórdida e cruel. E Raimunda, com seus dotes de musa hispânica, sairá perdendo. Trabalhadeira, ela não mede esforços para sustentar a filha. Todos os personagens parecem olhá-la como o anjo protetor para as causas urgentes. Por vários motivos. Almodóvar gosta deste tema de relações profundas entre todos, em trabalhos onde as queridinhas Penélope Cruz e Carmen Maura não estejam, como, por exemplo, em “Fale com ela” (2002) e “Má educação” (2004). Neles, o tema abordado é o abuso sexual (numa paciente em coma e de padres em crianças, respectivamente). O diretor espanhol sabe bem onde pisa, tanto que, provavelmente, estará na lista dos cinco filmes de língua estrangeira no Oscar deste ano.
Evidente que “Volver” tem mais qualidade que meu trocadilho do título da coluna, e, por isso, o público deve vê-lo. Almodóvar costuma lançar seus filmes em diferenças de 24 meses. Só no fim de 2008 poderemos apreciar outra obra. Tramas intrigantes, histórias cativantes. Com Almodóvar a química bate, pois é ele quem escreve os roteiros, dirige e, na maioria das vezes, produz (traduzindo: consegue dinheiro para sustentar sua fita). E este homem multi-tarefas, único diretor espanhol a estar na trajetória do Oscar (Luís Buñuel não conseguiu o feito), jamais estudou cinema. Seus filmes, com “Volver” incluído, mostram sua visão de vida. Lá estão sua infância, pecados amarrotados e deslizes postos para debaixo do tapete. Em “Volver”, poderíamos afirmar que é Raimunda. De jeito nenhum pelos trejeitos físicos. Bem longe disso. Mas sim por sua batalha a cada hora. As barganhas do dia-a-dia. As permutas para com a sétima arte. A qualidade do roteiro. Impecável. A palavra suada, captada na hora. Almodóvar é isso, isto, aquilo. É controverso discreto. O ponta-cabeça do avesso. “Volver” tem todas essas características. Então, em meu trocadilho muito ordinário, peço: vá ver “Volver”...