Pinguim Astaire (publicado originalmente em 13/12/2006)

Minha simpatia para com filmes de animação é rasa. Quase nula. A vontade de assisti-los passa perto da mesma vontade de eu lecionar química, ou seja, nula. Porém, de “A Noiva Cadáver” (2005) para cá, senti que esse sentimento poderia ser alterado. A fita do ano passado me contagiou bastante. Dirigida por Tim Burton, me deu esperanças de que algo mudasse. Os meses passaram, os desenhos nos cinemas entraram e saíram de cartaz (não os vi). Até que “Happy Feet – O Pingüim” (2006) veio às salas brasileiras, alguns dias atrás. Havia visto seu trailer um pouco antes e já o considerei muito interessante. Semana passada fui prestigiá-lo. E, de fato, me surpreendi com sua qualidade. Dirigido por George Miller (o mesmo de “Babe – Um Porquinho Atrapalhado”, de 1995, e do inacreditável e tosco “Mad Max”, de 1979), o longa-metragem se mostrou inteligente e de superação, para este que vos escreve, inimaginável. A história é simples, mas o desenrolar dela é o que dá o tom da trama. O pequenino pingüim Mano nasce com um ‘defeito’ nos pés. Não consegue parar de sapatear. Esta sua deformidade ocorre porque seu pai, Memphis, durante gestação do ovo, deixa-o escorregar e patinar no gelo. Assim, Mano vem ao mundo com a síndrome de Fred Astaire. Essa característica diferente o isola dos outros pingüins, pois para conquistar uma esposa, eles têm de cantar bem, e não dançar em demasia. Então, num descuido oceânico, Mano pára na terra de Ramón, um outro pingüim, mas este cheio de ginga e de porte latino. Além de Ramón, há mais três companheiros de salsa, merengue etc.

O mote de “Happy Feet”, entretanto, está longe deste torto desempenho do gogó de Mano para com os demais parceiros. Miller entendeu bem as circunstâncias e brinda crianças e adultos com um roteiro bem sacado. A falta de garganta de Mano é compreendida pelos mais velhos do reino onde ele vive como um sinal de que falta comida. Suas patas de bailarino seriam o motivo maior do azar de os peixes irem embora. Na verdade, a causa está distante desta suspeita. Você pode imaginar qual seja. É isso mesmo. O melhor nesta película está no modo em que o roteiro, escrito por Warren Coleman, John Collee, George Miller e Judy Morris. Trata os menores como maiores e os adultos como adultos capazes e espertos, não como retardados mentais. O desempenho de “Happy Feet”, candidato maior ao Oscar de melhor animação, prossegue nas canções escolhidas por Miller. São músicas como Kiss (Prince), Somebody to Love (Queen) e My Way (Frank Sinatra), nas vozes de Hugh Jackman, Nicole Kidman, Robin Williams, entre outros (mesmo na versão dublada estão as vozes estrangeiras). Além dos sons esmerados, a qualidade do desenho é impecável. Se misturassem imagens de “Happy Feet” com “A Marcha dos Pingüins” (documentário – 2005), os espectadores teriam dificuldade de apontar onde estavam os animais verdadeiros. A técnica precisa não veio por acaso. Desde 1998 Miller não se enveredava na sétima arte. Preparava o filme há cinco anos, parte por parte, com paciência de Jó. E para quem cuidou de “Mad Max”, “Happy Feet” é o troféu que galardoa uma carreira de 35 anos...

No Brasil, os dubladores são liderados por Daniel de Oliveira (o Cazuza), no papel de Mano, e (quanta criatividade!) um carioquíssimo Sidney Magal, que interpreta Amoroso, um pingüim velho e gordo, responsável pela narração da história. Encantei-me com a trama, semelhantemente a “A Noiva Cadáver”. E a razão é singela: o tratamento sério do diretor para com seu público. A impressão que fica é a de que os demais diretores abordam temas para bebês. Não é dessa forma que se faz cinema, já que crianças com menos de cinco anos entendem pouco ou nada sobre algo. As com mais de cinco devem assistir. As noções de conceitos de grupos, isolamentos, diferenças estão lá. O lado cômico é o conjunto ‘caliente’ dos latinos. A seqüência em que Mano é dublado por Ramón em My Way, com os três pingüins na coreografia de bastidor, é perfeita. Com orçamento de 85 milhões de dólares, este “Happy Feet” supera animações como “A Era do Gelo 1 e 2” (2002 e 2006), “Shrek 1 e 2” (2001 e 2004) e afins não pela quantidade de dinheiro investido, mas pela bela idéia do diretor, australiano de nascimento (tem 61 anos). Portanto, levem seus filhos, sobrinhos, primos, amigos. Um filme ótimo para encerrar o ano. Não desperdicem o tempo em locações de desenhos bobos. Vão ao cinema ver “Happy Feet”. Depois, ensinem às crianças quem foi Fred Astaire, o bailarino cuja versão animada tem Mano como protagonista. Uma fita expressiva e tocante. Pingüim mesclado com Astaire, e com realismo que chega a emocionar. Vale muito a pena ver. É aula de animação para todos os gostos.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 07/08/2009
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