Dois (quase) iguais (publicado originalmente em 22/11/2006)
“Torres Gêmeas” e “O Diabo Veste Prada”, dois filmes que estrearam recentemente no Brasil, têm várias características em comum. Mas os principais detalhes de cada um deles diferem bem um do outro. Nos quesitos semelhantes, ambos possuem atores de peso para os papéis protagonistas. Um é Nicolas Cage. A outra, Meryl Streep. As duas fitas também batem no fator realidade. Tanto “Torres Gêmeas” quanto “O Diabo Veste Prada” são baseados em casos verídicos. O primeiro, nos atentados terroristas que vitimaram os Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 e mataram praticamente três mil pessoas. Estão no longa-metragem a visão de dois soldados daquele país que ficaram soterrados pelos escombros de um dos prédios do World Trade Center e conseguiram sobreviver depois de sãs e homéricas horas de sofrimento. John McLoughlin (Cage) e Will Jimeno (Michael Pena, que esteve em “Crash”, de 2005) batalharam por suas vidas e contra a maior das adversidades: o tempo. Já o segundo filme tem em Miranda Priestly (Streep) o centro das atenções. Editora-chefe da revista Runway, ela contrata a estagiária de jornalismo Andrea Sachs (Anne Hathaway) para ser sua segunda assistente. E faz o que bem entende com ela. Nisso passam funções como atender telefones, fazer a tarefa das filhas de Priestly, anotar a agenda dela etc. A fita é baseada na experiência real de Lauren Weisberger com Anna Wintour, o nome todo-poderoso da revista de moda Vogue. Os meses em que ficou lá serviu para Weisberger escrever um best-seller anos atrás e vender a história para o cinema.
Além dos atores consagrados nas interpretações mais importantes e da trama ser respaldada por fatos que ocorreram mesmo, as duas películas consagram também dois diretores famosos, de estilos próprios e quase paralelos. Em “Torres Gêmeas”, Oliver Stone dá seu toque refinado. Aos 60 anos, e tendo no currículo obras como “Platoon” (1986), JFK- A Pergunta que não quer Calar” (1991) e “Um Domingo Qualquer” (1999), Stone deixa-se levar por mais um filme-documentário. Nos trabalhos de 1986 e 1991, o diretor remexeu nos baús para desenterrar as trajetórias da Guerra do Vietnã na visão de um jovem recruta norte-americano e das investigações acerca do assassinato do presidente John F. Kennedy, em 1963. Do outro lado, David Frankel se aventura na telona com “O Diabo Veste Prada”. Frankel foi o homem que comandou, na televisão, a série de sucesso “Sex and the City”. O mergulho dele foi bem feito. O único retoque a ser dado é a maior abrangência aos espectadores sobre o mundo da moda. Quem não for afoito pelo assunto pode correr o risco de ‘boiar’ na sala de cinema. Mas não é regra, seria exceção. Esse trio de combinações que liga os dois longas se une a outro que amarra de modo definitivo o par de histórias: a determinação. Tanto McLoughlin como Jimeno e Andrea lutam com suas forças para ultrapassarem seus desafios. Os soldados querem viver. A futura jornalista quer sobreviver à ‘senhora estresse’. E, de alguma maneira, concluem suas passagens. No caso de Andrea, seu objetivo é vencer na vida profissional. Para os outros dois, é derrubar um obstáculo: a morte.
Vi as duas fitas e fico mais com “O Diabo Veste Prada”. Por Meryl Streep. Que atriz! Deu para a sua Miranda uma serenidade colada com seriedade para ninguém botar defeitos. As falas mansas, e os términos das frases com um insubstituível “It´s all” (“isto é tudo”), são carregados de talento puro, nato. Deu a sua personagem um ar dos chefes superrespeitados e temidos. Desde a primeira cena em que aparece, com funcionárias se ajeitando no escritório (colocando sapatos especiais inclusive), até a derradeira aparição de Miranda, dentro de um carro, rindo sabe-se lá de quê. Com “Torres Gêmeas” isso também acontece, mas menos. Nicolas Cage não influencia tanto na trama. Nem o roteiro aqui. O importante neste filme são as seqüências em que um dos prédios desaba e as demais envolvendo a destruição final do World Trade Center. Nessas nuances, cabe uma reflexão: no cinema do século 21, esses tipos de histórias (as reais) tendem a se misturarem com os documentários? Seria de bom tom a próxima rodagem de Michael Moore, por exemplo, ter Gene Hackman como protagonista? A mescla oferecida por “Torres Gêmeas” e “O Diabo Veste Prada” e tantos milhares de outras películas é, por isso, benéfica à sétima arte? A resposta está na opinião de cada pessoa. E quem sabe Streep seja, de novo, indicada ao Oscar. Seria um exagero, mas não há culpas. Ela é uma atriz ícone de sua geração, assim como Jack Nicholson, citado na coluna da semana passada. E, por estarmos bastante carentes de renovação, torcemos invariavelmente pelos (quase) iguais. E ainda bem. Que surjam mais e mais.