Superações (publicado originalmente em 15/11/2006)
“Os Infiltrados” (2006), nova safra de filmagem do diretor Martin Scorsese, conta com elenco bilionário conta com Jack Nicholson, Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Alec Baldwin, Martin Sheen e Vera Farmiga. A fita é espetacular em todos os aspectos. Ou melhor, quase todos. DiCaprio continua sem convencer. Pelo menos a mim. Damon segue nessa trilha, mas apesar de estar paralelamente ligado à interpretação do ex-garoto Titanic, sai-se com mais desenvoltura. E o trabalho de Nicholson, escrever sobre é ‘chover no molhado’: depois de 11 anos longe dos vilões (o último dele havia sido Alex Gates, em “Regado a Sangue e Vinho”), volta com louvor a este setor da arte. Está sublime. Sua leveza em cena é expressiva e carismática. Prende a atenção do público. Não à toa, é o melhor ator cinematográfico dos últimos 50 anos. A atuação de Nicholson, evidentemente, dá crédito ao trabalho de Scorsese, antibajulado pelos dois longas-metragens anteriores: “Gangues de Nova Iorque” (2002) e “O Aviador” (2004). Escorraçado pela crítica e a Academia das premiações, desta vez o diretor acertou a mão. E na praia de sua maior categoria: a violência, juntada com boas e atrativas seqüências envolvendo sexo, traição, máfia. Foi assim em “Taxi Driver” (1976) e “Os Bons Companheiros” (1990), por exemplo. Os filmes de 2002 e 2004 nada tinham a ver com essa situação. Um tratava dos subúrbios irlandeses do século retrasado. O outro, uma cinebiografia mal acabada de um apaixonado por aviação.
De certo modo, “Os Infiltrados” resgata um pouco a trama de “Gangues de Nova Iorque”, mas se passa nesse tempo. A polícia investigativa nova-iorquina, comandada por Ellerby (Alec Baldwin) e Queenan (Sheen), investiga a máfia irlandesa de tráfico de drogas e armas, liderada pelo macabro e vingativo Frank Costello (Nicholson). Para facilitar o trabalho de ambos, cada organização coloca um espião no grupo oposto. Assim, o rebelde Billy Costigan (DiCaprio), policial combatente, tem um crime forjado para ser obrigado a entrar na organização criminosa para obter informações e, então, ir prender seu chefe, Costello. Já Colin Sullivan (Damon), que desde garoto acompanhou as falcatruas de seu tutor (o mesmo Costello), completa a faculdade militar e ingressa na polícia para auxiliar nas armações do grupo mafioso. Nessa engenhosa teia de aranhas, cada vez mais as informações têm um peso maior. À medida que o tempo passa, tanto a polícia quanto o bando contrabandista suspeitam da presença de um arquiinimigo à espreita. O perigo ronda os dois lados. Mortes ocorrem. Reviravoltas no filme também. As vidas dos infiltrados correm risco. Alguém descobrirá quem está do lado ruim da moeda? Como funciona a politicagem nos dois meios? Há negociações sobre tudo? O submundo policial e do crime são explorados detalhadamente por Scorsese. “Os Infiltrados”, na batuta dele, tem apreço. Existe um ar de superação nisso, tanto do diretor, DiCaprio e do cinema scorsesiano (se é que esta expressão seja autêntica).
Scorsese, como havia citado, esteve em baixa pouco tempo atrás. Na festa do Oscar de 2004, a cotação para arrebatar as estatuetas de melhor filme e diretor era enorme. Mas seu trabalho caiu por ser fraco demais (no caso, “O Aviador”). Ganhou “Menina de Ouro” (2004), longa bem arquitetado por Clint Eastwood. Com DiCaprio, aconteceu situação idêntica, pois o ator estava (e está) sócio de Scorsese. Fez um papel intermediário em “Gangues...” e o protagonista dois anos mais tarde. Mas as atuações não cativaram e ele caiu de mãos dadas com seu parceiro. Agora, a mudança. Mas somente para Scorsese. Uma direção praticamente impecável. É impressionante a destreza com que ele sabe lidar com este universo sangrento e sujo. “Os Infiltrados” tem todas as chances da Academia, enfim, para ser premiado com os Oscars de filme, diretor, roteiro e ator coadjuvante (para Nicholson). Caso essas quatro previsões não se confirmem, é bem provável que uma ou duas mini-estátuas o filme leve para casa. Aí pode morar a outra face da superação: caso Nicholson seja agraciado com o Oscar, ele empata com Katherine Hepburn, atriz já falecia que ganhou quatro vezes. O ator, que quase recusou participar das filmagens de “Os Infiltrados”, já foi lembrado nos anos de 1975 (por “Um Estranho no Ninho”), 1983 (“Laços de Ternura”, como coadjuvante”) e 1997 (“Melhor é Impossível”). Scorsese, indicado cinco vezes ao prêmio máximo da sétima arte, merece o seu. Se tudo correr bem, um brinde a ambos: a “Os Infiltrados” e a seu elenco.