Assassinato, mas com elenco (publicado originalmente em 8/11/2006)
Filmes com elenco ‘pesado’, relacionado ao talento dos artistas, é raro de se encontrar. Hoje em dia essa situação piora, porque a qualidade dos profissionais da arte são, na média, ruins. Em 1974, a agregação se fez com força. Em “Assassinato no Expresso Oriente” estavam, juntos, nada mais, nada menos, Ingrid Bergman (que rodaria mais três trabalhos antes de sua morte, em 1982), Albert Finney (o patriarca contador de história de “Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas”, de 2003), Vanessa Redgrave, Sean Connery, Anthony Perkins (o matador de “Psicose” – 1960), Lauren Bacall, Richard Widmark (de “O Julgamento de Nuremberg”, em 1961). Estes sete atores se reuniram para viverem lado a lado a odisséia do detetive Hercule Poirot (Finney). No interior do trem, cuja viagem é longa e cansativa, o policial embarca por acaso. Não tão por acaso assim, dentro do Expresso Oriente está um famoso assassino. Anos antes, ele matara um bebê, filho de uma tradicional família inglesa. Quando o pusilânime é morto, enquanto o traslado prossegue, automaticamente todos os passageiros viram os suspeitos principais. Poirot, então, tem o prato cheio nas mãos: a distração de seu engano agora será sua ‘diversão’ – descobrir o aniquilador do gatuno. Greta Ohlssom (Bergman), a religiosa estrangeira com sotaque carregado, encabeça a lista do detetive. Medrosa, encolhida no canto, Greta embaralha-se nas respostas. Ingrid Bergman, aos 59 anos, mostrou porque ficou marcada na história do cinema.
Na grande mesa de personagens específicos, todas as cartas do longa “Assassinato no Expresso Oriente” são marcadas. Os tipos são exagerados propositalmente. O diretor Sidney Lumet (o mesmo de “Um Dia de Cão”, de 1975) soube bem concatenar seus instrumentos de trabalhos. Connery, por exemplo, nas mãos do diretor, era um autêntico coronel, Arbuthnott. À época com pouco mais de 40 anos, o ator esbanjou em seu vasto bigode para compor o militar. Já Perkins se consumiu por inteiro do Norman Bates da obra de Alfred Hitchcock e fez de Hector McQueen (personagem da fita de 74) um herdeiro do maníaco de “Psicose”. No filme de Lumet, estão lá seus olhos inconstantes, os gestos delicadamente manobrados e o sorriso perturbador. Claro, Lumet, de alguma maneira, deveria querer que o público de “Assassinato...” lembrasse de Bates, agora na versão em tecnicolor 14 anos depois. Com Vanessa Redgrave, a história não se repetiu. Ela interpretou Mary Debenham, também suspeita por matar o tal bandido afamado. E Finney, apesar de ser de certo modo o protagonista da película, é, e aí exibe todo seu talento, quem menos aparece na trama. O roteiro de Paul Dehn, baseado em livro de Agatha Christie, contribuiu para isto. Poirot serve como um animador de televisão, de programas de auditório, e conduz a aventura sob os trilhos. O ator deu a Poirot um ar dantesco. Fez do detetive um seguidor de Sherlock Holmes, seja pelas vestimentas, seja pelas palavras ou nas afiadas tiradas.
A Academia não deixou Finney de escanteio. Indicou-o na categoria melhor ator. Não deu a ele o prêmio, mas valeu a lembrança. A estatueta do filme recaiu sob Ingrid Bergman, a dama. Encerrou de maneira onírica a carreira da atriz mais dramática de seu tempo. Além disso, “Assassinato...” foi nomeado em outros quesitos: roteiro adaptado, fotografia, figurino, trilha sonora. Bergman arrebatou ainda o Bafta (espécie de Oscar britânico) de coadjuvante, juntamente com a trilha sonora e com o ator John Gielgud, que deu vida a Beddoes. Mais sete categorias foram apontadas no Bafta: filme, diretor, ator (Albert Finney), direção de arte, fotografia, edição, figurino. Talvez seja injustiça Sidney Lumet não ter ganhado algum mimo. Afinal, carregar o céu estrelado que ele carregou, é uma tarefa para pouquíssimas pessoas. É necessária perspicácia aguçada para lidar com vários egos tão distintos. Afinar a sintonia com atores já no fim de carreira com artistas começando um caminho, por exemplo, Bergman e Redgrave, respectivamente. No meio disso, atores em fase decadente, como Perkins, que tiveram de resfolegar para seguir a carreira. Por todos esses ingredientes brilhantes, “Assassinato no Expresso Oriente” vale apenas por seu elenco. Há algo de semelhante com “Assassinato em Gosford Park” (2001). História intrigante, atores superconhecidos (cada qual em sua geração) e fim soberbo. Ter o assassinato, mas com elenco de nível gigante, vale até absolvição. Por conta dos espectadores.