“O Nome da Rosa” (publicado originalmente em 1/11/2006)
1327, século 14. Na Itália, um mosteiro é abalado pelo assassinato de um religioso. Às portas do desespero, os líderes religiosos do lugar não sabem por onde começar suas investigações. Ou será que sabem? Coincidentemente, o monge franciscano William de Baskerville (Sean Connery), famoso por suas deduções curiosas, chega ao local para participar de um encontro. Trás com ele Adso Melk (o então adolescente Christian Slater, com 18 anos), o noviço que o acompanha. O faro de William já percebe algo estranho: os moradores tentam de todas as formas esconder dele certas informações. Daí em diante, “O Nome da Rosa” (1986), romance escrito pelo italiano Umberto Eco, só faz crescer suas pitadas de suspense, humor negro. Quem será o assassino? Assassinos? Qual motivo levaria alguém a matar um homem temente a Deus? O diretor Jean-Jacques Annaud imprime neste longa-metragem o tempero preciso de uma trama bem intrincada. Mostra, como na obra de Eco, todo o bastidor de uma igreja onde os escrúpulos são varridos para debaixo do tapete. A honra é paga com noites ao lado de garotas vindas de regiões pobres do campo em busca de comida. A promessa de não pecar pode ser trocada pela leitura de livros ditos ‘proibidos’. Assim, a história montada por Annaud dá seus passos. A cada pista obtida por William, os monges do mosteiro lhe tiram duas outras preciosas. Connery, de costume, interpreta de maneira musculosa. As tiradas de seu personagem são impecáveis e espertas. E o ator dá a elas o tom exato, na medida perfeita.
Logo, o rápido William e seu aprendiz começam a desmontar o enigma. A situação piora assim que outras mortes ocorrem. Todas possuem mesma característica: um dedo e a língua de cada morto têm uma sujeira preta, quem sabe tinta, ou substância incomum. “É castigo do demônio”, pregam os moradores do mosteiro. O visitante não crê nisso. Seus pensamentos apontam para a quase solução. Mas eis que Bernardo Gui, grão-vizir dos inquisidores, aterrisa no centro religioso para acabar de vez com especulações. Torturará quem for preciso para descobrir a verdade. Antigo inimigo de William, Bernardo quer colocar seu opositor no cume dos suspeitos, pois, para ele, o franciscano-detetive pode estar dominado por forças diabólicas. Claro, trata-se de vingança arquitetada. F. Murray Abraham, o maligno Salieri de “Amadeus” (1984) dá vida a Bernardo, com a mesma impetuosidade do filme de 22 anos trás. Seu olhar atravessado, aspecto arrogante, tudo contribui para seu desempenho perante às câmeras. A impressão é a de que Bernardo é um parente distante de Salieri. Pode ser que Annaud tenha pedido isso mesmo a Abraham: se inspirar no personagem de “Amadeus” para encarnar o outro em “O Nome da Rosa”, cujas filmagens começaram meses depois do lançamento da fita de 1984. No longa de 1986, de 130 minutos de duração, tudo vai de acordo com a lentidão das investigações. Pé ante pé, praticamente tudo é explicado. Entretanto, nem tudo em “O Nome da Rosa” é cor-de-rosa. O desfecho deixa a desejar. Parece terminado de última hora.
Não pela parte técnica, falha de iluminação etc. Mas o enredo em si. São seqüências apressadas demais. E consecutivamente. Essas amarrações finais não deram boa impressão para um filme com a qualidade de “O Nome da Rosa”. O fator positivo no filme é todo o elenco coadjuvante. Elya Baskin (Severinus), Feodor Chaliapin Junior (Jorge de Burgos), Ron Perlman (Salvatore) e Michael Habeck (Berengar) compõem o mosteiro. E são pessoas das mais diversas poses: existe o deformado física e mentalmente, o poeta estudioso, o careca e gordo libidinoso, enfim, a máscara da sociedade puritana da época estava ali. A falsidade dentro de um reduto cristão em pleno século 14, onde a matança em nome de Deus se dava a torto e a direito. O livro de Umberto Eco, assim como todas as adaptações, são mais cheias de detalhes, inscrições, e narrações recheadas de descrições. Eco provocou polêmica com sua obra, lançada em 1980. Mexeu com os brios da igreja católica, à época com seu então novo Papa, João Paulo II, nomeado menos de 24 meses antes, portanto, com a tinta bem fresca. O filme foi roteirizado por Andrew Birkin, Gérard Brach, Howard Franklin e Alain Godard. Para suas locações, a Alemanha e seus palácios paradisíacos, o orçamento foi leve: 20 milhões de dólares. Enquanto foi exibido nas salas de cinema, faturou praticamente quatro vezes mais: 77 milhões de dólares. Ganhou três prêmios importantes, além disso: dois Bafta (melhor ator para Sean Connery e maquiagem) e um Cesar (filme estrangeiro). Graças a Deus.