Doutor Celso (publicado originalmente em 18/10/2006)

Sempre tive pavor de ir ao médico. Era o doutor Celso. O consultório até hoje está no mesmo endereço. Era horripilante sentir o carro estacionar, abrir a porta e descer para encontrar de novo com ele. Antes, tinha (ainda tem) a secretária: Lourdes. Coincidentemente, numa dessas maravilhas disso que chamamos de destino, ela começou a trabalhar com o doutor Celso exatamente no dia em que eu nasci: uma segunda-feira, 25 de janeiro de 1982. Quando tinha consulta marcada com ele, todo o seu procedimento era o mesmo: Lourdes olhava seu catálogo de pacientes, dentro de um armário comum, desses de se puxar a gaveta e sair aquelas fichas todas em ordem alfabética. Hoje o sistema interno, acredito, está todo computadorizado. Mas aqui me refiro a antes de 1995. Era só a gripe chegar, febre não desgrudar, e lá ia eu, ou meu irmão. Havia os locais de assento, uma televisão pregada na parede. O mais angustiante, a espera, claro. Às vezes, uma hora, duas. Porém, havia ocasiões em que chegava e estavam lá apenas uma ou duas pessoas aguardando. A angústia vinha em dobro, talvez triplo. Não haveria tempo de espera. Entrava, e lá estava ele. Camisa branca, olhos pequenos, voz curiosa. “Oi, como vai garoto?”, perguntava. “Vim aqui porque estava com saudades. Minha saúde está plena. Só vim mesmo para rever o senhor”, gostaria de responder. A má educação não serviria ao homem que me pôs no mundo. Doutor Celso fez o parto de minha mãe no dia em que Lourdes iniciou o trabalho.

As vezes em que estive com ele foram incontáveis. Lourdes deve ter o número correto. Numa delas, ao pisar na sala dele, vomitei no carpete. Nem aquela resposta faceira me veio à cabeça. Meu estômago agiu antes. Evidentemente não foi por mal. Eu é que estava doente mesmo. Na sala, havia três espaços. O primeiro ficava sua mesa de anotações, livros, quadros. O seguinte era para crianças recém-nascidas. Uma fotografia do Pato Donald estampava uma das paredes. No terceiro setor, além da cama, a balança de pesar, vários acessórios médicos etc. Antes do atendimento, a conversa de uns cinco, dez minutos, servia para amenizar aquela angústia citada anteriormente. Depois, me pedia para ficar só de cueca. Começava o exame. Doutor Celso fazia todos os testes. Garganta, pulmões, visão, ouvidos, sistema urinário, reflexos. Pediatra e anestesista com bastante experiência, não deixava de lado as simplicidades. Nelas poderiam estar respostas para qualquer averiguação. Terminados todos os procedimentos, me sentia aliviado. Agora, éramos amigos. O medo foi embora. Receitava com a letra peculiar dos médicos (a dele nem era tão feia assim) os remédios e pronto. Tchau e bênção. Mas poderia haver o retorno. Quando não era necessário, menos pior. Em 1993, um revés. Precisei de uma cirurgia com certa urgência. Quem estava comigo? Doutor Celso, claro. Dos dois dias programados para ficar no hospital, fiquei sete. Peguei infecção hospitalar. Saí em 25 de fevereiro, no carnaval.

Aliás, 1993 foi um ano em que o visitei em muitas oportunidades. Tudo passou, ainda bem. De lá para cá, consultas bem esporádicas. Nada de tão sério assim. Hoje, 18 de outubro, Dia do Médico, essa coluna presta uma pequeníssima homenagem a todos os que fizeram faculdade para aprender a salvar vidas. Eu, em particular, ao Doutor Celso, atualmente trabalhando naquele mesmo consultório. Desde que me lembro, seus cabelos brancos não mais me saíram da memória. E também seus óculos. Antes, por pavor. Hoje, por agradecimento. São pessoas como ele que arrastam o mundo para lugares melhores. Outras crianças medrosas iguais a mim são consultadas hoje por ele. Antes de mim, muitas outras. Por ele, algumas centenas de pacientes já estiveram frente a frente. Não seria difícil arriscar milhares. Talvez doutor Celso e Lourdes nem se lembrem de mim, mas eu me recordo bem dos dias em que os vi. Neste texto, além do meu ‘obrigado’, estão aqui diversos ‘obrigados’. Represento aqui todas as pessoas de que ele cuidou. Um mero paciente. E é tão grata a sua importância... Sua atenção com cada um... Lourdes também. 24 anos ao lado dele, próximo do aniversário das bodas de prata. Profissionalmente, óbvio. Deixo aqui meus votos de muita felicidade. Um abraço a Lourdes. Outro ao doutor Celso. Que vocês dois continuem ‘sarando’ várias pessoas e o 18 de Outubro se repita por muito tempo. Médicos não têm agenda. E daqui a pouco tem outro paciente. “Oi, como vai garoto?”.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 05/08/2009
Código do texto: T1738866
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