“Como chegamos aqui?” (publicado originalmente em 11/10/2006)
Treze dias atrás, estive em São Paulo para ver a peça de Marcelo Tas “Ernesto Varela – Como Chegamos Aqui?”. O espetáculo foi apresentado no Tuca (Teatro da Universidade Católica), um dos marcos da história recente do Brasil. A história contada por Tas compôs mais uma etapa na trajetória tanto do teatro como do país. Não é uma obra de ficção. O ator-apresentador-comunicador-homem de mídia deixou para o lado seu tempo de professor Tibúrcio do Castelo Rá-Tim-Bum e trouxe para os paulistanos um depoimento pessoal da carreira de um repórter que atualmente faz muita falta entre os políticos brasileiros: Ernesto Varela. Este personagem, assim como o seu criador, foi tema da coluna duas vezes – em agosto de 2004 e em novembro do ano passado. Agora, retomo ambos, pois fui assistir ao seu monólogo. Bem, não é precisamente uma peça de um só ator. Há duas assistentes muito belas, devidamente empacotadas com os óculos rubros, perucas rosas e mini-saias ousadas. E além delas tem também o ‘porteiro’ da PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). A ele cabe a tarefa de recepcionar o protagonista e ler comentários enviados por meio da internet. É, isso mesmo. “Como chegamos aqui?” é uma espécie de vídeo-conferência, na qual os parceiros de Tas, no caso aqui, Varela, são os internautas, os freqüentadores do Orkut, enfim, as pessoas ligadas à rede de computadores.
Como não conhecia o Tuca por dentro, tive uma surpresa ao perceber, de fato, a arena formada pela platéia. O semicírculo deixa, de certa forma, atores contra a parede. Claro, há um exagero nesta afirmação, mas a sensação que dá é essa mesma. Comprovei isso no encerramento da peça, quando andei pelos arredores. Com capacidade de aproximadamente 200 espectadores (parece menos), sem dúvida, é aconchegante. Durante a apresentação, meu grupo ficou sentado na primeira fileira, logo à frente do lado esquerdo de onde Ernesto Varela conta suas estripulias. Pouquíssimos metros. Varela chega ao Tuca atrasado. Não sabe com certeza sobre qual assunto tratará em sua ‘palestra’. Mesmo assim, a inicia. Para quem desconhece sua biografia, Ernesto Varela nasceu para a televisão em 1983, criado por Tas e mais alguns estudantes esfomeados por algo novo, entre eles estava o hoje talentoso diretor Fernando Meirelles. O jornalista fictício era responsável por fazer perguntas, as mais ingênuas e curiosas possíveis. Uma delas foi feita a Paulo Maluf, quando este era candidato a presidente pelo PDS, contra Tancredo Neves, nas eleições indiretas de abril de 1985. “As pessoas aqui estão dizendo que o senhor é corrupto. Isso é verdade?”, quis saber o intrépido repórter. Esses e outros momentos ímpares da TV são exibidos durante a peça. A cada vídeo, Ernesto repassa a história nacional. Expõe-nos assim.
São mais de duas horas de show. Em determinado dia de exibição, há depois um debate sobre o assunto do momento. Em 28 de setembro, quando estive lá, o tema não poderia deixar de ser os votos de 1º de outubro. O público tem participação ativa nesses encontros. No debate, o microfone passeia pelas cadeiras para quem quiser opinar. As pessoas podem fazer perguntas, interferir quando quiser. É, digamos, um complemento à história contada por Ernesto Varela. O público toma conhecimento do que se passou com o Brasil nos últimos 25 anos e, depois, tem a chance de discutir a perspectiva dos próximos 25 anos. “Como chegamos aqui?” é um desafio àqueles que insistem em ter as cabeças totalmente ocas para os fatos do próprio país. Na peça, além dos tópicos políticos, estão para serem conferidas outras etapas da história dos anos 1980 do Brasil, como a caça do ouro em Serra Pelada, a Copa do Mundo de 1986, e uma visita a Cuba, na época em que descobrir o mundo dos compatriotas de Fidel Castro era um autêntico mistério. Marcelo Tas é um showman. Ponto final. Sua performance diante das pessoas é de se encher os olhos. Entretanto, existem diferenças entre o Ernesto Varela da década retrasada e o de hoje. Há bem menos cabelos, bem mais quilos... Brincadeiras a parte, nada de impedir o caminho de Varela e suas perguntas mirabolantes. “Uma pergunta futebolística: qual será a sua próxima jogada?”.
* Nota de 4/8/2009 - É bom lembrar que este texto foi redigido muito antes de Tas e seu bando fazerem este enorme sucesso com o CQC. Vejam que o talento deste moço vem de longe, desde os anos 1980...