Peso da morte (publicado originalmente em 20/9/2006)

Qual o peso da morte? Isso mesmo, peso material. Quanto de massa muscular qualquer pessoa normal morta perde? Diz-se que são solitárias 21 gramas. No momento da passagem para o além, nós perderemos precisos 21 gramas. Essa informação chula serve para entender o enredo de ‘21 Gramas’, filme do diretor Alejandro González-Iñárritu que aborda simplesmente o fardo de ter de carregar uma vida nas costas. O elenco é centralizado em três personagens: Paul (Sean Penn, sempre em destaque), Jack (Benicio Del Toro, aqui um ator mais experiente, depois de trabalhar em “Traffic”, de 2001) e Christina (Naomi Watts). O trio se cruza em função de um acidente. Porém, não é mero ocaso. Todas as três pessoas têm interligações desde seu passado. Enlaces amorosos, vingativos, sentimentais ou omissos. Um deles está prestes a perder 21 gramas de seu corpo. Outro, não consegue ligar com a tal provável morte do anterior. Já o terceiro é um gatuno de meia-tigela pronto a acabar com ele próprio, seja de que maneira for. González-Iñárritu rodou o filme em 2003 de uma forma bem semelhante a ‘Amnésia’, feito dois anos antes: de trás para frente. À medida que passam cenas destes dois longas-metragens, o público não descobre, por exemplo, quem matou tal personagem. Ele enxerga o motivo que levou a pessoa a cometer o assassinato, pois a seqüência da matança foi mostrada no começo.

É um artifício hoje considerado normal, ou ultrapassado. Atrai espectadores e é interessante de ser analisado. ’21 Gramas’ possui outro chamariz: o movimento de câmera. São tomadas de close, as câmeras correndo freneticamente, como se fossemos nós quem estivesse lá, naquele instante. Claro, o filme todo não é assim. Mas o diretor, mexicano de nascimento, busca certa tendência de Jean-Luc Godard, o francês, para suas filmagens. Além da história intrínseca, a trama é fortemente respaldada por seu elenco. Penn faz ‘o seu’: talentoso por excelência, não se esforça para mostrar o quanto é tão bom na sétima arte. É de se aplaudir sua interpretação. O curioso é que este trabalho veio seguido de dois outros igualmente insubstituíveis: ‘Sobre Meninos e Lobos’ (2003, ao lado de Tim Robbins) e ‘A Intérprete’ (2005, com Nicole Kidman). Del Toro, por sua vez, esteve presente somente em ‘Sin City’ (2005) antes de embarcar neste serviço. E Watts, que ficou conhecida por ter participado de ‘O Chamado’ um e dois (2002 e 2005), e ser a paixão platônica de King Kong, na refilmagem também lançada ano passado, não compromete. Seu jeito sensual é esmiuçado a esmo em ’21 Gramas’. E este mesmo estilo a levou a indicação de melhor atriz, junto com Toro, que concorreu como coadjuvante. Ambos perderam para Charlize Theron (‘Monsters’) e Tim Robbins (‘Sobre Meninos e Lobos’).

Na época com quase 40 anos, Iñárritu havia sido responsável pela direção de um só filme, o seu ‘Amores Brutos’ (2000), com Gael García Bernal (mais tarde faria Ernesto Che Guevara em ‘Diários de Motocicleta’). ’21 Gramas’, com orçamento de 20 milhões de dólares, conseguiu sucesso. Por ser um longa tenso, com inclusive alguns momentos com cenas surpreendentes e ousadas, a fita toca bem na ferida: como lidar com a morte? As três pessoas centrais da história, ao transformarem suas vidas, estavam mesmo querendo seguir assim? Carregar nos ombros tanta amargura e tristeza somente para controlar as aparências seria a solução para alguma coisa? É com essas respostas que o roteiro tenta (ou vai de fato) se explicar. Todos ali são indivíduos comuns. E isso complica deveras a audiência, já que se trata de gente como a gente. As reviravoltas dadas pelo filme podem confundir quem o vir. A intenção, entretanto, não é essa. As trocas de cenas, às vezes para trás, outras para frente, anteparam a segurança do público. Agora, cabe às pessoas que assistem montar seu quebra-cabeça. Na ligação das peças, todo o mistério será descoberto. Por isso, prestar bastante atenção nas seqüências iniciais da película é essencial. O diretor usa todas suas artimanhas para disfarçar na hora exata, segurar na mão dos espectadores depois. ‘21 Gramas’ apresenta-se como reivindicação por pensamentos mais além.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 03/08/2009
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