Milagres em telas gigantes (publicado originalmente em 6/9/2006)
Até atuar em “À Espera de um Milagre” (1999), Michael Clarke Duncan havia rodado poucos filmes. Na verdade, só “Armagedon” (1998) consagrou-se, tendo no elenco Bruce Willis, de quem o próprio Duncan, antes da fama, era segurança. A fita de sete anos atrás foi baseada em roteiro de um livro do escritor Stephen King, editado nos Estados Unidos em seis volumes. O grandalhão Duncan interpreta John Coffey, negro acusado de estuprar e matar duas meninas. Porém, sabemos logo sobre a inocência dele. O réu possui problemas mentais. Seria algo como uma pessoa autista. Entretanto, o público somente sabe dessa característica quase na metade da trama. Nessas amarrações, junte-se aí o fato de Tom Hanks dar vida a Paul Edgecomb, um carcereiro acostumado a lidar com mortes cruéis na cadeira elétrica. A história se passa em 1935, no sul dos EUA. É de encher os olhos e o coração.
Com seu 1,96 metro, Coffey assusta os demais presos. Todos eles caricatos. Por exemplo, há o que sempre testa as cadeiras mortais antes das sessões reais. Durante os ensaios, há piadas, sorrisos, recomendações. Depois, no ato em si, as malícias se transformam em angústia, terror, silêncio, gritos. Mas “À Espera de um Milagre”, cuja duração estende-se a mais de três horas, tem um composto que vai além das simples prisões e o cotidiano de uma penitenciária dos anos 1930. O longa-metragem se impõe quando Edgecomb começa a sofrer por ter infecção urinária. Suas expressões de dor ao tentar urinar são lancinantes. Em casa, a dor o impede de dormir. Quando tudo se torna insuportável, surge o elemento surpresa do filme: Coffey possui dons. O principal deles é curar as enfermidades de uma maneira incomum: ele engole os maus fluídos das pessoas e os despeja depois, como se os vomitasse.
O diretor francês Frank Darabont imprime à fita um ritmo de origami. Ou seja, ao espectador é necessário ter alguma paciência se quiser ver história engrenar. Caso segure firme, “À Espera de um Milagre” engrena. E é a partir daí que tudo se torna incrível. A veracidade é interessante. Os milagres de Coffey (“Igual a café, mas escreve diferente”, como sempre repete o prisioneiro) são feitos um a um, até mesmo em salvar um mero rato de estimação. Aos poucos, a fita emociona. A atuação de M. C. Duncan é impressionante. Sua voz e seu olhar são significantes para o drama. Tom Hanks, como manda o figurino, se esconde atrás da performance de Duncan. Isso é digno de se tecer elogios, pois atores do porte de Hanks são difíceis de serem ‘escadas’ para ‘iniciantes’ como Duncan. Assim, no Oscar de 2000, o ator revelação concorreu na categoria de coadjuvantes. Tornou-se milagroso, enfim.
É um doce balanço ver “À Espera de um Milagre”. São raros os filmes largos terem esse faro para a boa história. E principalmente em 1999, quando as fitas com mais de duas horas de duração se tornaram cartas quase fora do baralho. Aí, neste caso, mais um ponto para Darabont. Sustentou todos os detalhes do roteiro, sem medo do resultado. Tornou o script uma película inesquecível. No embalo estão atores como James Cromwell (“Los Angeles: Cidade Proibida”), Berry Pepper (de “O Resgate do Soldado Ryan”) e Gary Sinise (“Forrest Gump, o Contador de Histórias”). Frank Darabont, para aqueles mais fãs, é o mesmo diretor do formidável “Um Sonho de Liberdade”, filmado em 1994, que contou no elenco com Morgan Freeman e Tim Robbins, e recebeu sete indicações ao Oscar, entre as quais a de melhor filme (tal como “À Espera de um Milagre”, ambos perderam) e ator (M. Freeman).
Para quem não tem paciência, “À Espera de um Milagre” pode se tornar um filme enfadonho e depressivo. Mas quem puder esperar os melhores momentos, se gabará e a todo instante se lembrará de uma parábola. Este é um tipo de fita em que estende a mão a famosa lição de moral. Não esperem no fim do túnel o arco-íris. Isso está independente de longa-metragem. É um milagre na tela grande.