O sorriso de Amélie e a exibição de curtas (publicado originalmente em 30/8/2006)
Expus algum tempo atrás meu grau de alergia a fita “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2004). Já expliquei meus motivos da outra vez, portanto não os repetirei novamente. A real intenção em citar novamente o filme que consagrou a atriz Audrey Tautou é a insatisfação com o cinema em geral. Involuntariamente, seria uma continuação da coluna anterior, quando discorri sobre atores que fazem sempre os mesmos tipos de longas-metragens. Domingo assisti o magistral “Todos os Homens do Presidente” (1976), com Dustin Hoffman e Robert Redford. Nada contra a Amélie Poulain, mas é extraordinário como cinema é capaz de organizar obras-primas, como a história sobre a investigação acerca do caso Watergate, do ex-presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon; como produz uma história completamente sem graça como a da garçonete francesa. Esse paralelo serve também para o Brasil. Aqui, nunca se fez um filme sobre o impeachment de Fernando Collor de Mello (1990-1992); a ditadura militar (1964-1985) é abordada em raros documentários, fitas é ainda muito mais difícil de se achar (“O que é isso Companheiro?”, de 1997, “Pra Frente Brasil”, de 82 e o recém-lançado “Zuzu Angel”). Nos EUA, dois anos depois da queda de R. Nixon veio “Todos os Homens do Presidente”.
Esses movimentos flutuantes do cinema norte-americano, o qual critiquei semana passada, mas hoje ressalto, são muito visíveis. É só contar quantos filmes foram rodados sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e seus afins – o ataque japonês à base de Pearl Harbor, batalha na Normandia, relação com o nazi-fascismo etc. Não pára por aí. O macarthismo dos anos 1950 também aparece nas telonas (“Boa Noite e Boa Sorte”, para dar um exemplo). Mas no Brasil, nada. E acontecimentos não faltam. Poderiam existir longas sobre a ascensão e morte de Tancredo Neves; outro sobre as suspeitas mortes de Getúlio Vargas, Carlos Lacerda e Juscelino Kubitscheck; as campanhas das Diretas Já são mais um assunto, além do citado Collor e da última crise vivida pelos brasileiros, cujo nome todos as pessoas sabem (pelo menos eu acho): mensalão. Não podemos ficar com o sorriso de Amélie Poulain e fingir felicidade. O cinema tupiniquim necessita urgentemente de boa sacudida, ou então veremos as películas da Rede Globo (Globo Filmes) só. É muito injusto. Tirar esse sorriso Amélie Poulain do rosto, sorriso sem nexo, sem ânimo, sem força; é o primeiro movimento a fazer. Além disso, parece haver outro movimento, este de Brasília, para tornar o cinema nacional mais, digamos, “palpável”.
Trata-se do artigo 13 da lei número 6281, de 1975, fixa a obrigatoriedade da projeção de curtas brasileiros e também do “jornal cinematográfico”, antes de filmes estrangeiros. Controvérsias à parte, sou a favor. Claro que apareceram chiados de uma parte, aquela contra, dizendo prever esvaziamento de salas, e ala a favor, respondendo haver qualidade na exibição deles. De um lado ou de outro, tanto faz, mas a idéia é velha, de 1975, e vale a pena tentar. Geralmente, as pessoas que vão ao cinema têm menos de 30 anos. Então, nada melhor que por histórias de 12, 15 minutos antes da atração principal. Seria a forma de “obrigá-los” a assistir algo bom se, por acaso, se arriscarem a ver filmes como os que lembrei sete dias atrás. O Ministério Público Federal (MPF) quer ver a lei novamente posta em prática, em 2006. Segundo recomendação do Ministério Público feita à Ancine (Agência Nacional do Cinema) neste mês, a agência tem 90 dias para regulamentar. Em relação ao “jornal cinematográfico” mora minha pulga. Ela está atrás da orelha. Do que se trata este noticiário? Exibirá as realizações do governo Federal? Será sobre os novos lançamentos nos ecrãs? Terá, como no antigo Canal 100, todos os gols da rodada do futebol? Ainda é preciso se ater mais a este ponto da lei. Está um tanto incerta.
Mas curtas-metragens, esses sim, têm meu total apoio. E não apenas nos cinemas. Na televisão, o destaque é o programa “Zoom”, da TV Cultura (para variar, a Cultura), exibido sempre nas noites de sábado, veicula semanalmente os mini-filmes. É, sem dúvida, um incentivo. Desse modo, caso as pessoas assistam e se informem mais, descobrirão as maravilhas que a sétima arte nos oferece. Então, aquele patético sorriso de Amélie Poulain não pairará mais nas nossas ingênuas, destemidas cabeças.