Desgosto (publicado originalmente em 23/8/2006)
Por um acidente técnico, que me custa aqui descrever, tive de assistir sábado passado o filme novo de Adam Sandler, “Click” (2006). Claro, a história é péssima e ele como ator é uma tremenda enganação. Enfim, perdi tempo. Mas teve estoicamente um lado bom. Pude refletir sobre a podridão hoje reinante no cinema norte-americano. Pensei: como as pessoas podem pagar para assistir fitas nas quais trabalham, por exemplo, além do próprio A. Sandler, Jim Carrey, Jackie Chan, Chuck Norris, Eddie Murphy, Steve Martin, Leslie Nielsen, Steven Seagal, Jennifer Aniston, a pop Madonna, Jean-Claude Van Damme só para citar alguns? Não há nada pior que ver algo tão ruim ou que necessite de boa dose de paciência para que a tal trama seja engolida sem água. Todos estes atores que lembrei, e sem exceção, fazem longas-metragens iguais. Talvez Mel Gibson e Kevin Costner caminhem neste estranho caminho, se é que já não chafurdam nele há tempos. Os roteiros de Carrey são feitos para o artista se esbaldar na sua especialidade: fazer caretas. Quando se embrenhou num projeto sofisticado, “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (2004), quem reluziu foi sua partner, Kate Winslet. “Prova que Carrey sabe atuar em filmes sérios”, escreveu Rubens Ewald Filho. Discordo. É mentira.
Assim como estão longe da verdade projetos de filmes de artes marciais de Seagal, Chan e Van Damme. Seagal, aliás, devia se resguardar, pois está com 55 anos. O belga Van Damme, com quase 46, ainda tenta respirar. E eles ganham dinheiro. Enchem seus bolsos precisamente porque existem os espectadores que assistem suas obras. Como dizia Mário Lago, esses atores de fachada “obram bem”. E o que dizer de Harrison Ford e Sylvester Stallone? Desde o começo dos anos 1980 (será que antes disso?), nada em que se metem cai bem ao público. Respectivamente com 64 e 60 anos, ambos vovôs querem resgatar seu espelho de 1975. Um promete reviver Indiana Jones em 2008 (quando estará à beira dos 66 anos!). O outro subirá ao ringue como Rocky Balboa no fim desta temporada e em 2007 tirará a metralhadora do armário empoeirado para amarrar novamente a faixa na cabeça em “Rambo” na sua quarta temporada. Quando saía da sala de “Click”, pensava isso: por qual motivo afinal esses dois grupos de pessoas (as que vêem e as que fazem fitas otárias) insistem nisso? A resposta salta aos olhos: as que vêem querem sentir-se vingadas de um mundo cada vez mais caótico. Para isso, jogam suas cabeças ao vento; os que fazem desejam apenas encher seus bolsos de dólares. Muitos dólares...
Tenho desprazer absoluto em abarrotar os bolsos desses profissionais desqualificados. E o pior é a rapidez absurda com a qual eles rodam essas películas. Parecem a reprodução dos ratos ou baratas de esgoto. Quando suspiramos de alívio por matar um, surgem dez atrás. É impressionante a maneira que esses tipos de filmes se alastram. Você já viu algum filme de Chuck Norris em que ele de modo bem terno, não utiliza algum revólver ou as mãos para massacrar alguém? Ou atire a primeira pedra quem descobriu uma fita de Eddie Murphy e Leslie Nielsen que tenha graça. Todos eles, os 15 daqui, pertencem ao chamado ‘tópico B’. São filmes tipicamente comerciais, sem conteúdo. Para, mesmo, ventilar a cabeça, já tão ocas. Nesses roteiros desqualificados, quem perde, é, sem dúvida, o público. É por isso a minha campanha de colocar em pelo menos uma sala dos complexos das salas de cinema um filme ‘não-comercial’. Aí a maioria das pessoas que adora ir desfrutar da sétima arte poderá, se quiser, se deliciar, por exemplo, com o cinema argentino, ou francês, da Ásia, Oriente Médio etc. Há tantos por estes cantos que dar a dica seria esquecer outro. Mas o apelo está feito. De modo solitário da minha parte, mas está. Porque ver Sandler, Carrey, Seagal, Martin, Murphy, é o fim dos tempos.
Hoje não existem mais ícones do cinema. As lendas vivas morreram. Há os substitutos deste ou daquele, mas jamais será igual. Scarlett Johansson pode tomar o lugar de Rita Hayworth (eu escrevi ‘pode’). Nicole Kidman (que Deus me absolva) será (ou é) Audrey Hepburn do século 21? Será Jack Nicholson, em seus 69 anos, um dos últimos remanescentes do cinema bem praticado? Eu não creio mais nessas possibilidades. É como se as pessoas que assistem essas ‘coisas’ se comportassem como o personagem de Clark Gable em “...E o Vento Levou” (1939), quando ele proferiu a famosa frase “Sinceramente, querida, eu não dou a mínima”. E esse desgosto, tenho a plena certeza, não é somente meu. E idéias como as dessas fitas só têm um único lugar: lata do lixo. E tem de ser um lixo enorme, onde caiba toda esta tranqueira.