Na casa de minha avó (publicado originalmente em 7/6/2006)

Minha primeira Copa do Mundo foi a de 1994, dos Estados Unidos. Acompanhei pouco dela, praticamente apenas os sete jogos do Brasil. Tinha 12 anos e considero este meu Mundial número um porque em 1990 nem queria saber de futebol. Importava-me mais correr por aí, ir para casa de minha avó e brigar com o meu irmão, quatro anos mais novo... Ressalte-se que as duas últimas citações ainda estão atuais. E por falar na casa de minha avó, foi lá aonde assisti as inesquecíveis sete partidas da seleção de Romário, Bebeto e companhia. É impressionante que lembro mais deste campeonato de 12 anos atrás que os de 1998 e 2002, por exemplo. Deve ser porque foi a primeira. Quando me refiro a recordações, quero indicar os mínimos detalhes de cada confronto. Por exemplo, o local onde cada pessoa da nossa família estava quando Roberto Baggio cobrou aquele pênalti. Todos em pé, olhares fixos na televisão (velhinha, se não me engano, de 14 polegadas), de mãos dadas. Menos meu primo, que estava do lado direito da TV tentando algumas mandingas contra o carcamano. Os demais, todos juntos, embarcaram na mesma emoção. E o mundo inteiro desabou aliviado para milhões de pessoas.

Durante a competição, comprei uma camisa do Brasil, número sete. Fiquei com esta não por ser fã do Bebeto, mas porque era o único número que tinha naquela loja. Eu era admirador, isso sim, do Branco, o lateral-esquerdo. Até hoje não sei porque gostava dele. Talvez fosse por meu pai não se conformava com a convocação dele, pois o jogador estava com um grave problema nas costas (isso só soube tempos depois – aos 12 anos não me preocupava com notícias). Além disso, aos 30 anos, para meu pai Branco estava em fim de carreira (quem vê Cafu hoje). E eu, tenho de confessar, adoro provocar quando percebo que alguém adota aquela precaução sem motivo. Mas, naquela época, tinha explicações. O país estava há 24 anos sem conquistar Copas. A experiência anterior (de 1990 que não acompanhei) havia sido trágica. Os atletas ficaram com fama de mercenários e alguns deles estavam no grupo de 94, como o desagregador Branco, Dunga (a “Era Dunga”), Romário, Bebeto etc. Então, tudo veio à tona naquele torneio. Vários tabus caíram como fileiras de dominós. A favor do Brasil. A camisa azul, duelo com a Holanda, a decisão por pênaltis. Os azares foram para o ralo em definitivo.

E, em todos esses pisões de calos, lá estávamos nós na casa de minha avó. No jogo contra os holandeses, meu pai tremeu de medo. Tinha na memória a desclassificação de 1974, quando Johan Cruyff e seu esquadrão mecânico aniquilaram o Brasil. Pior: jogaríamos de camisa azul, a mesma da derrota traumatizante. Pior ainda (para meu pai): Branco era titular, no lugar de Leonardo, banido da Copa depois de agredir um jogador dos Estados Unidos. Depois de os brasileiros terem feito 2 a 0 e os holandeses empatarem, a casa de minha avó balançava de tremedeira. Mas Branco, aquele velho, em fim de carreira, resolveu para a gente com um míssil imune a qualquer crítica. Sobrevivíamos por mais um tempo. Minha avó, meus pais, meu irmão, meu primo e minha tia e eu eram os titulares do número 43 nesse esquema de selva. Cada partida era uma tensão absoluta. Além tudo, havia rituais supersticiosos: sentar no mesmo lugar, usar a mesma cor de roupa, ver na mesma emissora. Mas eu, por assim dizer, gostava de contrariar. Sentava no lugar de outro, usava a cor dos times adversários, colocava no canal diferente. Com receio, pois torcia pelo Brasil feito um grande atarantado brigador.

Em 1998, também vimos os sete jogos na casa de minha avó. Mas a sorte esbarrou num cara chamado Zidane. E a graça não foi igual. A Copa passada, geadas das madrugadas, assisti debaixo de cobertores e edredons, inclusive a final. E esta, que começa depois de amanhã, tenho certeza, será do jeito das outras: incomparável com a de 1994. E terá um agravante: os jogadores estrangeiros, que só vemos defendendo, realmente, as cores do Brasil de quatro em quatro anos (as Eliminatórias são um fiasco). Tem mais: 2006 não será na casa de minha avó. Mas ela estará presente, assim como todos os titulares, agora em outro número.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 25/07/2009
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