Rente a média (publicado originalmente em 24/5/2006)
Li vários artigos sobre o filme “O Código da Vinci”, que estreou sexta-feira passada no mundo inteiro. Muitos textos mesmo, menos o livro no qual foi baseado o longa-metragem. Dispensei a obra de Dan Brown por considerá-la “comentada demais”. E também porque páginas e páginas de ficção quase nunca me agradam. Eu sei: considerei “O Código da Vinci”, o livro, ruim, antes de lê-lo, mas, convenhamos, praticamente todo mundo faz isso. E é um erro. Confissões à parte, assisti ao filme no primeiro dia de sua exibição. E me impressionei. É uma fita esforçada no geral. A história, montada ao bel prazer, para mim chegou a ponto de ser convincente. Jesus Cristo, um ser humano como eu e você, envolve-se com Maria Madalena, tem filhos e seus descendentes podem esbarrar na gente hoje em dia sem que nós saibamos quem seja. Claro, era de se esperar que igrejas católicas esperneassem, fizessem o barulho que estão acostumadas sobre temas na corda bamba, como este. E, como sempre ocorre com eles, os rebuliços foram em vão. Classifico de ‘engraçado’ testemunhar a reação daquelas pessoas santas a esmo. Baniram a trama das cabeças. Pobre gente. Não sabem separar joio do trigo.
Escrevi que a fita é esforçada. O elenco é esforçado. Porém, é o ponto fraco da história. Li em algum lugar que tanto Tom Hanks quanto Audrey Tautou (a Amélie Poulain, lembram-se?) deixaram a desejar. Concordo. Parece que os dois estão lá só para cumprirem uma tarefa e pronto. Querem se livrar dela logo. Hanks foi minha decepção maior. Mas é de se supor que isso aconteceria com ele, já que aceitou trabalhar no humilhante “O Terminal” (2004). Ou seja, não é mais o mesmo. Tautou não me surpreendeu por exibir-se desta maneira. Quem viu o enfadonho e tedioso “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” entende o que quero dizer. Ter apenas aquele sorriso cativante não bastou. Salva-se neste elenco o nome de Ian McKellen. Como o professor e historiador Leigh Teabing, o ator faz o papel-chave do roteiro. É ele quem revela, calmamente e de forma maçante até, os percalços supostos verdadeiros encarados pelo filho de Deus. Passo a passo, explica para Robert Langdon, professor de simbologia (T. Hanks), e Sophie Neveu, a investigadora da polícia francesa (Tautou), como e porque Jesus fez o que fez. McKellen está elegante como sempre. Bom coadjuvante e nada mais que isso.
Com elenco razoável, a direção seguiu este ritmo. Ron Howard (de “Uma Mente Brilhante”, de 2001, e “A Luta pela Esperança”, 2003), conduz a película com as mangas devidamente abotoadas. Parece que ele quer ousar, mas no momento em que dá um passo para frente, enxerga o fenômeno de vendas que é o livro de Brown, e dá cinco passos para trás. Assim, tornou “O Código da Vinci” um filme frio, mas supercorreto e linear. Não há na fita momentos de suspiros, por exemplo. Se por um lado isso é bom, por separar aquele joio do trigo que citei anteriormente, por outro é desconcertante notar porque “nos ufanamos tanto”, para copiar a expressão do jornalista Daniel Piza. “O Código da Vinci” é mais um filme, que deve seu apogeu e expectativa do público graças ao livro lançado alguns anos atrás. O enredo nem é inédito, sabemos disso. “A Última Tentação de Cristo” (1988), de Martin Scorsese, tratou dessa dualidade de Jesus. O tempo fará a fita de Howard ficar esquecida, exatamente por não conter “algo a mais”. Entretanto, não confundam apatia com ruindade. “O Código da Vinci” é antiemoção, mas é bom. Ao contrabalançar tudo, o saldo resulta positivo. Mas fica rente a média.
Quanto ao livro, não pretendo virar suas páginas. Essa avalanche de comentários sobre os 155 minutos da película cessará quando a poeira baixar. Basta o tempo. Ao nos dispersarmos, e outros filmes vierem aos ecrãs, logo estaremos firmes como rochas dizendo: “Com quem era mesmo ‘O Código da Vinci’? Ah é, Tom Hanks e aquela... A Amélie Poulain!”.