Singela homenagem III (publicado originalmente em 10/5/2006)

Eterno vagabundo, gênio do cinema, ator do século, palhaço de circo, astro espetacular. Todos esses adjetivos cabem quando é Charles Chaplin o assunto a ser tratado. São dele filmes antológicos e cenas simbolicamente difíceis de se esquecer. Há duas semanas, faço neste espaço textos cujo tema é a travessura destes personagens inigualáveis. Hoje, depois de “Luzes da Ribalta” (1952) e “Luzes da Cidade” (1931), discorro sobre outras duas obras-primas, as mais conhecidas do grande público: “Tempos Modernos” (1936) e “O Grande Ditador” (40). Sobre o primeiro, é uma ode aos operários e seus trabalhos rotineiros, no acerto de apertar parafuso, testar novos equipamentos para diminuir os minutos de folga e destrinchar o ocaso da vida de um pobre ser humano. No segundo, parodiar a era do nazismo na Europa. Chaplin interpreta dois personagens – Adenoid Hynkel (o ditador da cidade fictícia Tomania, caracterizado propositalmente com bigodinho de Adolf Hitler) e um mero barbeiro assustado com o movimento racista. Era Chaplin peitando a carnificina. Na raça, conseguiu.

Na fita de 1936, a história aborda o azar de um trabalhador. Afetado por uma crise nervosa por não resistir à monotonia frenética de seu emprego, C. Chaplin é internado num sanatório. Ao sair, ele é confundido com um agitador político e vai preso. O drama de uma jovem faminta que quer ajudar suas irmãs pequenas também é mostrado. Na opinião de muitas pessoas, “Tempos Modernos” é um dos melhores, senão o melhor, filme do cineasta, e um dos melhores do século passado. Estas pessoas estão corretas. A trama é bem conduzida. Possui a sensibilidade mestra de Chaplin e humor negro da revolução industrial acontecendo. O cineasta, completamente contra a entrada no som no cinema, o utilizou forma perspicaz: fatiou os ruídos somente às máquinas. Com a medida, quis apontar para o pior rumo dos barulhos nas telonas. Apenas mais indolentes ousariam balbuciar algo ao público (em “Luzes da Cidade” ele fez isso, quando, logo na seqüência inicial do longa-metragem, durante inauguração de monumento, as autoridades discursavam, mas suas palavras eram nada entendíveis).

Mas não teve jeito. O som veio para ficar. Após engoli-lo, Chaplin o manejou como poucos. E ao rodar “O Grande Ditador”, com a Segunda Guerra Mundial em curso (1939-1945), propôs para o mundo uma outra alternativa: a da paz. Seu Adenoid Hynkel era um sujeito trapalhão. Só pensava em destruir seus ladeados. Fazia isso com deveras comicidade. A cena na qual se encontra com Benzini Napaloni (ditador da Bacteria, papel de Jack Oakie), caricatura mais que bizarra de Benito Mussolini, é imperdível. Um não quer encarar o adversário como um servil qualquer, olhar de baixo para cima, então, ambos ficam como num poleiro. E, ao se cumprimentarem, Hynkel estende o braço, como era a saudação nazista; mas Napaloni insiste em apertar as mãos. Nesse imbróglio de gentilezas, a risada acontece solta. Assim, acabou indicado pela Academia a cinco Oscars: filme, ator (Charles Chaplin), ator coadjuvante (Jack Oakie), roteiro original (também com Chaplin) e trilha sonora. Não ganhou estatuetas. O discurso final, cuja propaganda se alastrou para o bem e para o mal, se eternizou.

Assim, para encerrar esta trilogia de homenagem desta coluna ao genial Chaplin, reproduzirei a seguir um pequeno trecho deste discurso, o qual preenche os minutos finais da fita de 1940. Parabéns Carlitos. “Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo, não para seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Nesse mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades. O sol rompe nuvens que se dispersam! Estamos saindo das trevas para a luz! Entramos num mundo novo, em que homens estarão acima da cobiça, do ódio e brutalidade. A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos!”.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 23/07/2009
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