Singela homenagem II (publicado originalmente em 3/5/2006)

Prossigo aqui com minha adorada penitência: prestar homenagem a Charles Chaplin. Semana passada, “Luzes da Ribalta” (1952) foi o centro das atenções desta coluna. Hoje continuo quase com mesmo título, mas outro filme fabuloso dele: “Luzes da Cidade” (1931). No começo daquela década, Chaplin vinha de dois estrondosos sucessos, como “O Circo” (1928), agraciado com Oscar especial, e “Em Busca do Ouro” (1925). A fita de 1931, portanto, viria garantir a supremacia do ator e diretor nos Estados Unidos. Naquela época, o ramo da comédia no cinema estava dominado por Chaplin e Buster Keaton, outro monstro absurdo na arte de fazer rir. Mas “Luzes da Cidade” abordava um tema bastante sentimental: a compaixão. Chaplin interpretava o eterno vagabundo Carlitos, com seu paletó apertado, calça larga e bengala de bambu. Em seu caminho estava uma florista cega e pobre, papel da atriz Virgínia Cherril.

Por uma dessas confusões da vida, a deficiente visual pensa que Carlitos é um milionário. Ele não expõe a verdade à moça. Ao contrário, quer ajudá-la a se curar da cegueira, com o amparo de um médico europeu que descobriu como evitar este mal. Nesse ínterim, o andarilho maltrapilho impede um rico senhor (Harry Myers) de cometer suicídio. Este está constantemente alcoolizado por não se conformar com o abandono de sua esposa e promete eterna gratidão a Carlitos. O triângulo está feito e as confusões não demoram a acontecer. Como não poderia deixar de ser, há cenas antológicas. Uma delas é exatamente o primeiro encontro dos personagens de Chaplin e Cherril. Quando uma pétala de flor cai das mãos da florista, Carlitos percebe que ela não enxerga e tenta auxiliá-la. Outra seqüência inesquecível é a que acontece num restaurante, com Carlitos e seu amigo bêbado em volta com seus charutos e dois pratos de macarrão.

A ternura presente no filme é medida de forma precisa. Cherril apresenta-se magistralmente e seu estilo de interpretação é sublime (o leitor deve levar em conta que o longa-metragem é mudo). Nem seus constantes atrasos nas filmagens, que por pouco não fizeram Chaplin demiti-la do elenco, a atrapalharam. Myers também se qualifica. Suas duas personalidades (sóbrio e bêbado) são mostradas distintamente. Quando está sob efeito do álcool, é generoso, simpático, afável, mas inseguro e com o desejo de acabar com a própria vida. Ao recuperar a lucidez, transforma-se no homem da sociedade, elegante, preocupado com os negócios e inimigo número um da boemia. E de Chaplin nem é preciso tecer comentários. Seus dotes de palhaço de circo são impressionantes. Os trejeitos, habilidades com o corpo e expressões faciais demonstram toda sua capacidade artística. Tons de comédia e drama em um piscar de olhos e movimentos.

Todo o desenrolar da trama se dá em toques de pura sensibilidade. A florista não aparece tanto na película, mas as ações de Chaplin no filme ocorrem por causa dela. A sorte de Carlitos ter como amigo um milionário maluco faz a jovem vendedora de flores renovar suas esperanças em poder ver. Enquanto isso, seu aluguel está atrasado, e sua velha avó não sabe o que fazer. A solução, claro, está na dupla de ricos: Myers (o verdadeiro, que a florista não conhece) e Chaplin (ela conhece, mas ele não tem dinheiro). Tudo ali é desenvolvido da maneira mais simples possível. E o público se diverte com as trapalhadas do vagabundo, como se elas fossem brinde às aventuras dele. Charles Chaplin, além de dirigir e protagonizar, ainda foi o responsável pelo roteiro, produção e trilha musical. Não à toa, “Luzes da Cidade” era o filme preferido de Orson Welles, diretor e ator principal de “Cidadão Kane” (1941).

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 23/07/2009
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