Paralelo (publicado originalmente em 19/4/2006)

Logo após assistir “O Poderoso Chefão” (1972), comecei a pensar em algo. Vi toda a história de Don Vito Corleone (Marlon Brando). E, de repente, me veio à cabeça que era possível traçar um paralelo entre o personagem central da máfia dos anos 40 com Karol Wojtyla, o papa João Paulo II, morto em abril de 2005. Há deveras coincidências entre o reinado destas duas personalidades. Don Vito comandou uma espécie de país durante anos. Mandava, comandava, metia medo, desencorajava, fazia qualquer ser tremer com seus desmandos. Para ser recebido por ele, devia-se antes passar pelo batalhão de protetores. Portas atrás de portas. Todos eram devotos do “padrinho”. A maioria tinha de prestar a ele uns favores. Com um estalo de dedos, uma vida podia ser perdida. Se o pedido não era aceito, a vingança vinha em seguida. Não tinham porquês. Existia “sim” e “não”. A patuléia ficava em segundo plano. Aquela gente vil, escória mesmo, ficava ao lado do patriarca e todo poderoso Don Vito Corleone. Ninguém ousaria sequer discutir qualquer ordem dele. Os Estados Unidos curvavam-se aos caprichos do carcamano de voz gutural, que parecia ter duas batatas pequenas nas bochechas.

Mas seus dias estavam contados, como ocorre com todos os vilões. Certa tarde, ao descer do carro para comprar laranjas, ele sofre um grave atentado. Leva vários tiros. A partir de então, nada mais seria igual. Depois de meses no hospital, o agora senhor de idade regressava ao lar, carregado em uma maca. Estava frágil, decadente. Além disso, o respeito que sua família possuía havia acabado discretamente. As outras gangues – famílias – digladiavam-se entre si, querendo o poder. Babavam por trocados. Don Vito continuava mal enquanto isso. Seus filhos inconseqüentes tomariam uma hora ou outra seu posto. Lá estavam Sonny (James Caan), Tom, o agregado (Robert Duvall) e Michael (Al Pacino), recém chegado da Segunda Guerra Mundial. Um deles sentaria no trono. Ao mesmo tempo, organizações rivais querem impor negócios com drogas. Não adianta. Don Vito mal podia ouvir seus próprios filhos. Então, numa cena linda com o neto, o personagem feito magnificamente por Marlon Brando morre. Claro, à parte de tudo isso está a trama espetacular dirigida por Francis Ford Copolla e roteirizada por Mário Puzo. O alvo da coluna está hoje carregado na estranha comparação que faço.

Vejamos agora Wojtyla. Tornou-se papa aos 58 anos, mais ou menos na mesma faixa etária de Corleone. Nos primeiros dois anos de sua gestão, espantou o planeta com seu carisma. Peregrinou o mundo quase todo. Estava claro que ficaria na história. Porém, em 1981, sofre um terrível atentado. É atingido por diversos tiros. Fica um tempo recolhido, no hospital. Na volta, nada mais seria o mesmo. Acometido por uma sucessão de doenças, padece aos poucos. Sua vida não pára mesmo assim. Suas viagens prosseguem. Só no Brasil ele esteve três ou quatro vezes, entre 1980 e 1997. Deu a volta ao mundo. Implorou o fim das guerras. A determinada altura, ele, assim como o homem da ficção, não tinha mais a atenção de outrora. Todos sabiam que ele estava presente, entretanto sua voz era muito fraca para com os demais. Nós imaginávamos pouco a sua dor ao surgir naquela janela, espantar seus pares e falar com seu povo. Mas ele emudeceu. Soltou um leve som, suficiente para demonstrar sua força. Dias depois, estava morto. Tal qual Don Vito Corleone, desapareceu rodeado por herdeiros, e simultaneamente abandonado por eles. Os católicos nunca estiveram tão distantes como naquele dia.

A diferença entre eles está no sucessor. No caso do líder mafioso, Michael, o filho mais novo e mais comportado, se revelou uma pessoa perversa, insensível, fria. Era o legítimo e surpreendente sucessor. Com a sucessão do papa, a surpresa nem teve graça. Joseph Ratzinger, o nobre amigo e conselheiro, que já era frio e insensível aos olhos dos outros, foi o escolhido. Tornou-se Bento 16. É impressionante como este paralelo se dá. São absolutamente duas pessoas marcadas por comandar e cair em desgraça depois. Pelo menos no século 20, não vêm nomes à minha memória com biografias tão semelhantes. Don Vito Corleone durou até 60 e poucos anos no filme, se não me engano. João Paulo II agüentou até os 83. Destinos jogados na mesma bacia. Eu não acredito em destino. Todavia, com eles, há uma linha que os liga. São vidas parecidíssimas, até porque João Paulo II governou no Vaticano, que pode bem ser analisado como família. Só que tenho dificuldade de amarrar este nó. Encaixar ambos como peças do quebra-cabeça para mim é difícil. Este paralelo é complicado. Ele existe. É a única certeza que tenho. Talvez seja absurdo. O que pode uni-los de maneira tão forte?

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 22/07/2009
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