Al Pacino é cego (publicado originalmente em 12/4/2006)
“Não sirvo para mais nada. Para que ficar então?” Al Pacino, como o tenente-coronal Frank Slade, pronuncia esta frase quando seu personagem está prestes a cometer suicídio em “Perfume de Mulher” (1992). É o principal momento do filme. Seu acompanhante no fim de semana, o assustado Charles Simms (Chris O’Donnel), tenta de qualquer maneira impedi-lo de tal heresia. A fita continua sua trajetória e a cada cena amadureço uma sensação... Mas ainda é cedo para revelar qual. O longa propriamente dito tem algumas boas falhas. A começar pelo extenso tempo de duração: 156 minutos. Não precisava tanto. Há cenas que poderiam ser aparadas devidamente, mas isso foi deixado de lado. Na direção aplicada de Martin Brest, apenas Pacino e O’Donnel brilham. O restante do elenco apenas faz suporte, e um suporte fraco. O roteiro é centralizado em Slade. Militar aposentado e cego devido a um acidente, ele guarda toda a amargura de uma vida cheia de desilusões e frustrações. Ao mesmo tempo, desconta toda a insatisfação com o mundo nas outras pessoas. Simms é uma delas. E suporta.
É antológica a cena do confronto de gerações. Simms com a coragem do jovem que não tem o que perder. Quer deixar Slade vivo. O velho resmungão, por seu lado, quer se livrar dele, a própria vida infeliz que leva. Pacino e O’Donnel dão show. A cada singelo gesto feito por Slade para enfim entregar a tal arma é a tremedeira. Não sabemos qual destino terá o tenente. Ele matará Simms? As situações mudam a cada segundo. Interpretações célebres.
Simms, um aspirante a universitário, consegue o emprego de “babá” de Slade durante o fim de semana em que a família do tenente vai viajar. Na empreitada, o mal humorado tem a idéia de ir até Nova Iorque para fechar sua vida com chave de ouro. Para tanto, arrasta o jovem com ele. Passeará por toda a cidade, passará uma noite com uma bela mulher, comerá do bom e do melhor e, depois, se matará com um tiro de sua arma de guerra. Engenhoso, não? Até certo ponto. No decorrer da viagem, Simms conta ao tenente seus problemas de colégio. Ele está em uma bela enrascada. Viu rapazes que aprontaram com um professor e agora a dúvida: revelar quem são as pessoas ou não? Slade, relutante anteriormente, começa a ouvir as escorregadas do adolescente. A biografia dele também: a família mora longe, tem quitanda tocada pela mãe e o padrasto, e está solitário no campus da escola onde ele estuda. O dilema de Simms é a contrapartida para a sobrevida de Slade. As aventuras que eles vivem são inesquecíveis. A seqüência do tango no restaurante, toda a conquista, é única. Emociona demais.
Assim como a corrida com a Ferrari e a andança no meio da rua. Aí Al Pacino deu show. Fico com a impressão que é nesse momento, quando ele cai, desprotegido de tudo e todos, que convenceu a Academia a lhe dar o Oscar de melhor ator. Slade cai na grama como uma criança que tropeça ao dar seus primeiros tortos passos. O personagem de O’Donnel o segura, atordoado ainda em ver que ele não foi atropelado. Ficamos ao seu dispor.
“Perfume de Mulher” é fascinante, apesar dos defeitos. Vemos um ator ciente de seus deveres para com o público. A sensação sobre a qual escrevia era a certeza de que Al Pacino é cego. Isso mesmo. Em todos os outros filmes que fez, ele disfarçou bem a deficiência visual. É impressionante seu talento e alto grau de entendimento do assunto. Dedicou-se absurdamente ao tema. Olhava só em pontos distantes da câmera. Enfim, ele é cego. É difícil dizer isso, mas é a verdade. Al Pacino nos enganou em todos os seus outros trabalhos. Fingia que enxergava. Fez o mais complicado, mas não dá para esconder. O ator foi eficiente. Parabéns pela cegueira!