Segredo de ninguém (publicado originalmente em 15/3/2006)

Muito já foi publicado sobre “O Segredo de Brokeback Mountain”. Escrevi sobre este filme na coluna passada, mas apressadamente. Volto a ele agora. Tenho lido nos últimos tempos textos e mais textos acerca da fita “dos caubóis gays”, como ficou conhecida. A maioria não se cansa de elogiar a obra do diretor Ang Lee. Como relatei semana passada, preferia ver “Boa Noite e Boa Sorte” como o vencedor do Oscar 2006. Como nem um nem outro levou o prêmio – “Crash” ganhou – fiquei com a cara no chão. “O Segredo de Brokeback Mountain” me agradou pouco. Nos materiais jornalísticos a que tive acesso, li passagens do tipo “delicadamente lindo”, ou “filme para machos” etc. A história impressiona mais pelo realismo com que são mostradas as cenas à sensibilidade de Lee. O terço final da película se parece mais com as novelas mexicanas exibidas pelo SBT. Com maquiagem esdrúxula, vemos Jake Gyllenhaal com um bigode grisalho ridículo. Tentava-se fazer passar por um senhor de 30 e poucos anos. Melhor se não usasse isso. Só faltou dizer: “Te quiero mucho”. Não que eu seja o “muy amigo” estraga prazer igual ao personagem de Jô Soares, mas olhemos os fatos friamente. Para se executar um roteiro desses, são necessários dois atores com gabarito suficiente. Tínhamos nada lá.

Claro que é louvável o trabalho de Heath Ledger. Encarnou bem o sotaque caipira de texano. Chegou a ser difícil de entendê-lo balbuciar algumas palavras, pois ele mais resmungava, fingindo-se ser aquele homenzarrão que, na verdade, à meia-noite virava-se ao contrário. A trama inicia-se em 1963, quando os personagens Ennis Del Mar e Jack Twist (Ledger e Gyllenhaal, respectivamente) são contratados para serem pastores de ovelhas na tal montanha Brokeback. Mas não são as ovelhas as tratadas por ambos. Em uma noite fria, a dupla fica junta dentro de uma cabana e tudo acontece. A câmera mostra habilmente os movimentos, explícitos. A partir daí, uma sucessão de desencontros e encontros marcam as biografias de cada um. Os dois se casam. Ennis com uma garota caipira como ele. Jack, por sua vez, com uma dondoca filha de um homem milionário. Têm filhos. Eles conseguem se encontrar escondidos durante um certo tempo, até que um flagrante ocorre. A vida deles começa a se tornar desgastante. Discussões sobre a relação acabam pertinentes. A vergonha surge para Ennis e Jack. A tragédia chega mansa e surpreende na fita. Grandioso este momento, apesar de se dar naquele terço final “mexicanizado”. Porém, puxa o freio. Não consigo tecer elogios a uma produção dessas.

Demorei demais para ver “O Segredo de Brokeback Mountain”. Li os textos antes de assistir ao longa-metragem. Pode ser até mesmo por isso que me desencantei por ele. Fui ao cinema esperando mais. E vi menos. Esforcei-me em cavar ali qualidades que grudei em “Boa Noite e Boa Sorte”. Em vão. Durante as pouco mais de duas horas da fita, aquele atrevimento que tanto se falava nos jornais e revistas passou em branco. Ao sair do ecrã, me senti insensível. Será mesmo? Pensei no assunto. Não sou. Apenas engasguei com o filme. Engoli-lo, jamais. Questionei-me novamente. O que há de bom naquelas passagens? Existem coisas boas lá. A interpretação de Michelle Williams, como Alma, a esposa de Ennis, por exemplo. Rendeu-lhe até a indicação ao Oscar de atriz coadjuvante. Esta sim se mostrou compreensiva e solidária. Foi um passo e tanto na carreira dela, que até este momento só havia um sucesso na profissão (bem discutível, aliás): o seriado adolescente “Dawson’s Creek”, entre 2001 e 2003. Quanto aos outros, nota seis. Passaram no teste, mas quase escorregaram na casca da banana da linha que separa a caricatura da magia. É importante deixar transparente aqui meu total repúdio a racismo de qualquer tipo. Não se trata disso. Mas preferia “Boa Noite e Boa Sorte”, sim.

Vários outros filmes que abordam homossexualidade são mais brilhantes que “O Segredo de Brokeback Mountain”. “Filadélfia” (1993), abordado aqui meses atrás, talvez seja o melhor deles. Tudo teve seu espaço. Treze anos atrás, o mundo se espantou com a qualidade interpretativa de Tom Hanks, como o jovem aidético que luta por seus direitos. Hoje, nos assustamos com o drama de um casal de jovens que se apaixona no meio de uma montanha cheia de ovelhas na década de 1960. As comparações seriam tolas. O nome “O Segredo de Brokeback Mountain” não tem qualquer mínimo de suspense, porque todos que viram e virão a obra já sabem qual é este tão sagrado segredo. Enfim, há por aí outros filmes em cartaz.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 21/07/2009
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