O Oscar e a... Nola (publicado originalmente em 8/3/2006)
Coube ao velho e eterno Jack Nicholson anunciar ao mundo o principal ganhador do Oscar de 2006: “Crash – No Limite”. Trata-se da fita baratíssima (orçamento de 6,5 milhões de dólares), com roteiro de labirintos e independente. Foi a surpresa. Pelo menos para mim e mais alguns punhados de pessoas. Esperávamos “O Segredo de Brokeback Mountain”, pelas favas contadas da Academia. A história dos caubóis gays, entretanto, não era minha favorita. Meu alvo estava em “Boa Noite e Boa Sorte”. Não deu. “Munique” e “Capote”, que passaram longe dos meus olhos, tinham destaques bem individuais. A primeira, o diretor Steven Spielberg. A segunda, o ator Philip Seymour Hoffman. Só. Quem assistiu a principal festa do cinema, domingo, percebeu a surpresa no rosto de Nicholson ao ler “Crash” no envelope. Indescritível sua reação. Abriu os braços, levantou as peculiares sobrancelhas... Faltou dizer “é isso aí, vocês venceram. Os demais fiquem com o troco”. “Crash”, para mim, seria a quinta opção na votação. A fila se completaria com o drama em preto-e-branco de George Clooney, o casal de pastores de ovelhas, a cinebiografia de Truman Capote e os fatos terroristas de 1972 (mesmo sem ter visto o par derradeiro). O azarão faturou. As qualidades, confesso, não se podem desprezar.
Escrita por Paul Haggis (bicampeão de roteiro – levou a estatueta em 2005 por “Menina de Ouro” e em 2006 por “Crash”), o melhor longa metragem do ano passado tem, dentro e fora dos sets, vários encontrões. Dentro estão os cerca de dez personagens que se intercalam em mini-histórias cujo elo se dá pelo racismo. Estão lá o policial que abusa de sua autoridade (não somente dela), a dondoca que rejeita a empregada latina, os dois negros que assaltam a vontade. Fora das câmeras ocorreram situações curiosas. Haggis teve a idéia central de “Crash” após ter uma noite de pesadelos. Durante as filmagens, sofreu um infarto, recuperando-se tempos mais tarde. E Sandra Bullock, obcecada por trabalhar neste filme, pagou suas próprias passagens de avião até as locações das filmagens, quando quem deve fazer isso é a produção responsável. Enfim, saiu “Crash” como o dono da festa. Quase nunca concordei com a escolha dos melhores filmes. Meus gostos são diferentes. Quando a terceira parte de “O Senhor dos Anéis” levantou o troféu em 2003, torcia para “Encontros e Desencontros”. Queria que “Moulin Rouge” ficasse em primeiro em 2001, mas “Uma Mente Brilhante” terminou na dianteira. “O Informante” no lugar de “Beleza Americana” em 1999. E por aí vai. Continua sendo.
“Boa Noite e Boa Sorte”, era, disparado, o “meu” melhor. George Clooney contribuiu com sua direção impecável. David Strathairn como Edward Murrow está primoroso. Todo o clima noir da fita envolve o público de maneira eficaz. Rodado em preto-e-branco, traz a fumaça dos cigarros para a tela do cinema em uma época em que comunismo significava interrogatórios instigantes, provocantes e constrangedores. A “caça as bruxas” tinha como piloto sobre a vassoura o senador McCarthy, de olho em quem se vestisse de vermelho e saísse nas ruas. Com imagens de arquivo, o longa constrói a empatia devida com os telespectadores, no caso. Com 93 minutos de duração, não há comparações a fazer. Clooney, que também compõe o elenco (interpreta Fred Friendly, espécie de braço direito de Murrow), trata “Boa Noite e Boa Sorte” como o brinquedo que acabou de ganhar no Natal. O esmero com que conduz a trama, com todos os requintes e detalhes, merecia ter levado uma estatueta. Nem precisava ser a do filme. Mas umazinha deveria. Pelo menos. Serviria para registrar o esforço, por exemplo, de Ray Wise, fabuloso como âncora de telejornal voltado para variedades e celebridades, Don Hollenback. Todos têm suas preferências. Mas nem sempre elas prevalecem. Não foi desta vez.
Abro agora um parêntese para escrever sobre “Ponto Final”. Não discutirei aqui se mereceu ou não pegar o prêmio de roteiro original. O que devo fazer, e farei, é concluir sobre a genialidade de Woody Allen, renascido das cinzas. Duas perguntas: o que é aquela história escabrosa e maliciosa de traço característico de Allen (questão 1) e o que é aquela mulher chamada Scarlett Johansson, de tão linda e espetacularmente sexy (questão 2)? Duas respostas numa só: vejam “Ponto Final”. Vale pela história, vale pela Scarlett. Depois de “Encontros e Desencontros” (quem diria...), ela encarna uma aspirante a atriz, mas sem o menor talento. Seus atributos estão nos cabelos delicadamente loiros, nos olhos azuis (e é melhor parar por aqui) etc. Uma “bomba”, como escreveu um jornal. No roteiro, um ex-jogador de tênis apaixona-se pela namorada de um de seus alunos. A namorada é Scarlett, com o nome de Nola. Que atraente. Até o nome. Mas é claro que o filme se sustenta além dela. Parêntese fechado. E ponto final.