Música, amigos e recordações (publicado originalmente em 25/1/2006)

“What would you think if I sang out of tune / Would you stand up and walk out on me? / Lend me your ears and I'll sing you a song / And I'll try not to sing out of key / I get by with a little help from my friends.” Basta Joe Cocker entoar estes versos da música “A Little Help From My Friends” e estou pronto: mais um capítulo de “Anos Incríveis” está prestes a começar. A série de TV na qual Kevin Arnold já adulto conta suas histórias de adolescência está entre as minhas preferidas. O mais curioso é que me tornei fã incondicional dela há pouco tempo – um mês, tenho a impressão. Eu sabia de sua existência, porém não me fazia ficar colado em frente à televisão como agora. Vai ver é meu lado adolescente se manifestando depois dos 20 anos. Pode ser também a nostalgia de um tempo no qual eu nem sei como foi viver nele – entre o fim dos anos 1960 e o início dos 1970. Esse estouro de afinidades (minha para com o programa) surgiu por acaso. Um dia, na Cultura, “Anos Incríveis” estava sendo exibido e eu decidi acompanhar. Não sabia que seria fisgado daquela forma, como peixe ávido por belas iscas. Foi assim mesmo. Talvez seja a diferença desta série na comparação com outras vindas dos EUA: pouca comédia, lembranças à tona, textos saudosos – lágrimas inescapáveis.

Gravada entre 1988 e 1993, “The Wonder Years” (o nome original) se passa exatamente duas décadas atrás, entre 1968 e 1973. Época de fervor. Cultura, sexo, música, política, esporte. Tudo era motivo de manifestação, gritos por liberdade e discussões expressivas. Todos esses ingredientes estão nas histórias de meia hora. Kevin é o protagonista. A série dá a largada com ele aos 12 anos, cheio de dúvidas e insatisfações de qualquer pré-adolescente. O mesmo garoto, mas com 32 anos, é quem narra suas aventuras, na primeira pessoa. São revelados pensamentos, seu ponto de vista da situação por um adulto. O Kevin de 32 anos vigia suas recordações dos 12. E dá os pitacos necessários a cada ação, cada frase dita, cada emoção sentida. Ele é o último filho do casal Norma e Jack e irmão de Wayne (o irmão do meio, sempre provocando o mais novo) e Karen (a primogênita). Norma é a dona-de-casa incansável e mãe presente e submissa ao marido, um trabalhador que chega em casa de muito mal humor. Kevin é apaixonado por Winnie, garota um ano mais velha que ele, e tem Paul como seu melhor amigo. Este recheio tende a ser o motivo de eu adorar “Anos Incríveis”: contos aparentemente normais, com bastante a acrescentar. A “moral da história” não existe aqui.

Traduzido para o português, o título da música, tema de abertura de “Anos Incríveis”, é “Uma ajudinha de meus amigos”. E todos os desenrolares das tramas são isso mesmo. Mas Kevin não é o herói. Ele tanto auxilia como é amparado. Como na vida, nem tudo dá certo. Na de Kevin menos ainda. Paul é a pessoa sensata. O escorregão do amigo é logo diminuído por Paul e seus óculos pretos e rosto de pato. Com Winnie vemos a meiguice de Kevin transparecer, principalmente nas narrações do homem Kevin, o trintão. “Aqueles olhos”, ou “esse sorriso perfeito” eram elogios que o adulto confessa para suas lembranças da infância, sobre a namorada. Com os pais dele ocorria o oposto: a doçura da mãe contrabalançava com a frieza do pai. Com Wayne não tinha papo: como irmão mais velho, ele tratava de por logo as cartas na mesa – isso quer dizer esmurrar Kevin, rir de sua cara etc. E Karen estava distante disso. Aos 16 anos, buscava o ‘encontro interior’ dedicando-se a movimentos sociais. Se ela não fizesse isso em pleno 1968, 1969, vivendo nos EUA, era Karen quem seria a exceção à regra. E a regra de “Anos Incríveis” era exibir ao público sinopses históricas antes das histórias iniciarem. Vemos o homem na Lua, Richard Nixon, Elvis Presley, Luther King...

Não é raro eu acabar de assistir a série rindo de mim mesmo ou pensando que aquilo realmente aconteceu comigo. Afinal, quem não teve (ou tem) pelo menos um amigo como Paul, um primeiro amor como Winnie e irmãos e pais como os de Kevin? Os impasses na escola, as inseguranças, os medos... Vemos o narrador como um corajoso. O homem foi capaz de entregar as barbaridades feitas pelo menino. E o melhor é ouvir as conclusões desse Kevin de mais de 30 anos nas costas confessar nas cenas finais de cada um dos 115 episódios. Ele se mostra às vezes arrependido, outras orgulhoso de si próprio e quase em todos os capítulos faz uma última reflexão sobre aquele dia, de duas décadas atrás. Como nós mesmos. Um passo em busca de entender o nosso passado, contando sempre com a ajudinha dos nossos amigos.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 18/07/2009
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