O topo do mundo (publicado originalmente em 21/12/2005)
São pouquíssimas fitas que conseguem me deixar algum rastro por certo tempo. Tem de haver boa história, bons atores, diretor categórico e o tempero principal: emoção. Cito aqui alguns filmes desse calibre: “Intriga Internacional” (1959), “O Último Tango em Paris” (1973) e “Os Sonhadores” (2003). Agora, soma-se a esta lista “King Kong”, lançado sexta-feira no mundo inteiro. Tudo que eu escrever aqui hoje será nada perto do porte magnífico deste longa. Peter Jackson, após “O Senhor dos Anéis” (2002 a 2004) conseguiu uma proeza: manteve seu fôlego para realizar o projeto de impacto mais assustador deste século. Com mais de três horas de duração, “King Kong” reconta a trama de 1933 nos mínimos detalhes. Inclusive há cenas totalmente transferidas da história de 72 anos atrás. A comparação entre ambos é provocadora e desnecessária. Os tempos são outros, a tecnologia mudou radicalmente para melhor e hoje tudo é possível para quem tem imaginação. E mais sensacional fica ainda se esta imaginação é a de Jackson. Com orçamento de 207 milhões de dólares (17% vindo dos bolsos do próprio diretor), a aventura se transformou em épico. E ver King Kong no topo do Empire State Building arrepia.
Por sorte, o elenco também favoreceu o diretor e nada em “King Kong” fica comprometido. A atriz Naomi Watts, dos dois “O Chamado” (2002 e 2004), contracenou na maior parte do tempo com tapumes verdes, já que todo o efeito especial foi utilizado. E, dando vida a Ann Darrow, atriz cuja Depressão Americana derrubou drasticamente, passa para o público toda veracidade, com seus olhos brilhantemente apavorados com o ser do outro mundo. Adrien Brody – “O Pianista” (2002), também não deixa a desejar como o roteirista Jack Driscoll. E Jack Black, de “A Escola do Rock” (2003), faz Carl Denham, o diretor cretino e inescrupuloso que quer de qualquer maneira realizar o filme sobre a Ilha da Caveira. O trio segura bem o tranco da superprodução, amparado pelo bom grupo de atores secundários – um deles Jamie Bell, o “Billy Eliot” (2000). Peter Jackson reproduziu a cidade de Nova Iorque de 1933 com maestria e esmero. Os mínimos detalhes foram incorporados. A cena do roubo da maçã é inesquecível por remeter exatamente ao filme original, em preto-e-branco. Sendo a estrela maior o gorila, não seria estranho se o elenco todo ficasse desleixado. Mas isso, felizmente, não ocorre em nenhum ponto.
“King Kong”, como em outra qualquer obra milagreira, comete seus deslizezinhos. Dos 188 minutos da fita, pelo menos meia hora poderia ser retirada do roteiro. Nesses 30 minutos estão cenas que mais lembram a saga de “O Parque dos Dinossauros” (1993, 1997 e 2001), com animais exóticos e diferentes. “O Senhor dos Anéis” também teve algumas pitadas. Primeiro por Andy Serkis, ator que interpreta Lumpy, o cozinheiro do navio onde embarcam Denham e sua turma. Serkis, para quem não se recorda, emprestou as feições ao monstro Smeagol, da trilogia superganhadora de Oscars. Agora, ele, além de dar vida a Lumpy, novamente cede os movimentos faciais ao Kong. Quando assistirem o filme, reparem no cozinheiro de um olho fechado e no olhar do gorila gigante. As seqüências onde a bizarrice prevalece, com insetos peçonhentos com mais de dois metros de comprimento, são outras que não têm porquê ficar. O restante, sim. Fay Wray, atriz que viveu Darrow na versão de 1933, estava confirmada para uma participação muito especial na fita de 2005. Seria dela a frase “não foram os aviões que mataram Kong; foi a bela quem matou a fera”. Mas Fay faleceu em 2004, aos 96 anos.
A magia de “King Kong” se faz sem esforço. Todos se emocionam. Sigo batendo na tecla da emoção, pois funciona espetacularmente. As cenas do animal deslizando no gelo nova-iorquino ao lado da amada são delirantes. Tal qual momentos no pôr-do-sol, tanto na Ilha da Caveira como o topo do mundo, o Empire State. Fiquei espantado com tudo aquilo. E concordei com a definição dada por Peter Jackson: “King Kong não é um filme de amor. É um filme sobre o amor”. Precisamente isso.