Casablanca (publicado originalmente em 19/10/2005)

Tudo estava bem na pequena cidade de Casablanca, no trecho de Marrocos não-ocupado pelos nazistas, até Ilsa Lazlo abrir a porta da casa noturna de Rick Blaine. Então, a partir daquele instante, a vida dos dois seria recuperada, para depois ser estragada. Ilsa pede a Sam para que ele toque “As Time Goes By” (“Com o Passar do Tempo”), música que a fazia lembrar de um tempo em que podia viver para o amor, dedicar-se a ele de maneira sublime e impetuosa. Sam, pianista do casa noturna, resiste em colocar seus dedos para dar som a uma canção que, ele sabe, só trará más recordações a seu chefe. Mas a moça é mais insistente, e o músico acaba dedilhando “As Time Goes By”. Quando os primeiros acordes ressoam no recinto, Rick logo aparece para dar a bronca em Sam: “Quantas vezes já te disse para nunca mais tocar essa...”. E ele não consegue completar a frase porque vê Ilsa na sua frente. Os olhos nos olhos parecem dizer tudo que estava engasgado desde o último beijo, o último abraço. A frágil Ilsa se retira, enquanto vemos Blaine bastante perturbado com a enxurrada de emoções que lhe veio de uma só vez. No fim do dia, quando estão a sós Blaine e Sam, é Rick quem pede: “Toque aquela música para mim”. E Sam obedece de novo.

Rick Blaine (Humphrey Bogart) e Ilsa Lazlo (Ingrid Bergman) haviam namorado em 1941, na “Cidade Luz” Paris. Promessas foram feitas, paixões foram postas a prova e tudo dava certo, até que a capital francesa foi invadida pelos nazistas. Numa noite chuvosa, onde embarcariam juntos para fugir do caos, ele se viu abandonado por ela, tendo como vestígio final somente uma carta com melancólico pedido de desculpas, cujas palavras eram borradas pelas gotas que caíam. O ódio entrou em Rick. Tornou-se um homem cínico, egoísta, repulsivo e que não se arriscava por ninguém. Montou seu próprio negócio no Marrocos. Trouxe Sam (Dooley Wilson), que conhecera em outro comércio. Já a história de Ilsa era mais complicada. Estava casada com Victor Lazlo (Paul Henreid) quando se envolveu com Rick. Lazlo, um membro da resistência francesa, estava viajando para por suas idéias em prática. A garota, sozinha, deixou-se cair nos braços do rapaz solitário. O reencontro de Ilsa e Rick se dá dois anos após a dramática e traumática separação, em 1943. E não poderia ser pior: a ex-namorada veio acompanhada do marido e quer que Rick ajude a despachá-la, com Lazlo, para Portugal. Assim, poderiam se ver livres da perseguição nazista e vir para a América.

“Casablanca” (1942), como se vê, é muito mais que filme. Transcende a magia do cinema e a leva para um patamar consagrador, onde juras de amor são cortadas e picadas em favor de um ideal maior – a salvação do mundo. É a fita com melhor fotografia em preto-e-branco que vi até hoje. A seqüência final, onde não se sabe quem embarcará no avião rumo a felicidade, é o exemplo dessa fotografia fantástica. Os closes de Bergman e Bogart, quando se olham e vêem que nada mais dará certo entre eles, chegam a zombar do espectador. Ali estão Ilsa e Rick, sem dar a mínima importância a quem quer que seja, até mesmo ao público. A despedida que ambos não desejaram. O avião onde morava o destino eterno deles está lá. E o personagem de Bogart se mostra nobre. Vale mais o país. E em meio às negociatas, subornos, corrupção e chantagens de todos os tipos que ocorriam em Casablanca, em especial na casa noturna de Rick, notamos certos personagens paralelos, como a garota que clama pelo salvo-conduto para dar ao namorado dela (é a atitude limpa número um de Rick na fita).

E pensar que ninguém dava um dólar por esta história... Bergman, que estava no melhor momento da carreira, trabalhava em projetos paralelos, como em “Por Quem os Sinos Dobram” (1943) e “À Meia-Luz” (1944). Nestes dois longas, foi indicada ao Oscar de melhor atriz (ganhou por “À Meia-Luz”). No entanto, em “Casablanca” está insuperável. Seu semblante de desespero extrapolava o roteiro: ninguém no elenco sabia como era a história terminaria. O filme estava previsto para ser lançado em meados de 1943, mas como em novembro de 1942 os “Aliados” desembarcaram no norte da África e libertaram a verdadeira Casablanca, a Warner Bros, que produziu o filme, resolveu por lançar o filme imediatamente. Teve o retorno rápido: as indicações a várias categorias do Oscar – filme, diretor (Michael Curtiz), ator coadjuvante (para Claude Rains, o capitão Louis Renault), ator (Bogart), roteiro adaptado, edição e fotografia em preto-e-branco.

Ver e rever “Casablanca” é uma obrigação para quem adora películas de grande porte. É por esses filmes tão tocantes que, sempre quando acabo de vê-los, agradeço aos irmãos Lumière por terem inventado o cinema. Que abençoados foram esses dois franceses...

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 12/07/2009
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