Quatro em um (publicado originalmente em 14/9/2005)

Tom Hanks já havia feito vinte filmes e tinha treze anos de carreira quando o diretor Jonathan Demme o convidou para um papel desafiante, polêmico e real: um advogado demitido por possui o vírus da Aids que vai buscar seus direitos. Era o começo de “Filadélfia” (1993). Hanks aceitou. Demme, então, chamou mais dois astros, os quais também mergulharam prontamente na praia do comandante: Denzel Washington e Antonio Banderas. Firmada a base, era só trabalhar. “Filadélfia” emocionou platéias. Para fazer seu Andrew Beckett, Hanks, durante as filmagens, chegou a emagrecer 12 quilos (algo que viveria sete anos depois novamente, com “Náufrago”). Banderas teve de amassar preconceitos, pois interpretaria um homossexual –Miguel Alvarez, parceiro do advogado. E Washington sacava da manga o material tão ou mais empreendedor do que seu par de fitas imediatamente anteriores: “O Dossiê Pelicano” (1993) e “Malcom X” (1992). Poderia, portanto, reforçar seu estilo e talento. Como se pode notar, no filme de Jonathan Demme, além da história ser apaixonante, o trio de atores via nessa altura a chance de provar para eles próprios que poderiam se superar. E se superaram, sobretudo Hanks, detentor de seu primeiro prêmio Oscar de melhor ator.

“Filadélfia” mostra, passo a passo, como um doente aidético se torna apático, enfraquece, até bater as mãos no degrau irreversível. É bom lembrar que a fita é de 1993, quando a Aids ainda não completara nem uma década de existência. Portanto, não tinham sido descobertas medicinas que hoje salvam várias vidas, como, por exemplo, o coquetel. Dessa forma, o longa detém certos preconceitos, como associar a doença a núcleos de gays. Mas isso é mero detalhe frente ao desempenho dos três atores. Auscultando seus trabalhos, minuciosamente vemos que quem se sobressai é Hanks. Desde as cenas primeiras, indo pelo momento em que o público sabe que ele é portador do vírus, e a ultimação de sua aparência moribunda, ele não mediu esforços para elaborar tudo de maneira que o público o achasse combalido e não uma pessoa garrida. Antes de “Filadélfia”, Hanks não era tão conhecido no meio cinematográfico como “ator com A maiúsculo”. Das duas dezenas de filmes, dois tiveram certo sucesso: “Quero ser Grande” (1988, quando concorreu ao Oscar de ator) e “Splash – Uma Sereia em Minha Vida” (1984, uma comédia boba). Com o filme de Demme, não somente chegou ao estrelado como quintuplicou seu cachê. A partir daquele momento, era o “ator com A maiúsculo”.

Washington, como já citado aqui, esteve em duas explosões da crítica: “O Dossiê Pelicano” e “Malcom X”. Mais: tinha na bagagem indicações ao Oscar de melhor ator, além de “Malcom X”, em “Tempo de Glória” (1989, como coadjuvante) e “Um Grito de Liberdade” (1987, também como ator coadjuvante). E tudo isso antes dos 40 anos. Esse supercalibre lhe deu mais confiança para encarnar o advogado machista Joe Miller na fita de 1993. O espanhol Banderas, apesar de ser o mais novo dos três, era quem trabalhara mais: “Filadélfia” foi seu 33º filme, desde 1982. Coincidentemente, também acabara de sair de um longa-metragem muito assistido, mas de qualidade discutível: “A Casa dos Espíritos” (1993). Para completar, até mesmo o diretor “sofria” desse mal: meses antes, finalizou “O Silêncio dos Inocentes” (1991, pelo qual arrebatou o Oscar de diretor). Então, aquela não era mais uma filmagem. Todos tinham que contribuir. E o resultado foi obstinado. Esquecer seqüências de “Filadélfia”, como a que Beckett, depois de sair do escritório de Miller, olha a multidão que passeia a sua frente, sem notar a presença dele, é inimaginável. Isso se multiplica por cem na cena em que, com Miller, ouve aos prantos ópera cantada por Maria Callas e se eleva numa energia transcendental.

Resumir o roteiro: impossível. Nesse jogo de quatro (Hanks, Washington, Banderas e Demme) por um (o filme), o fator altera, sim, o produto. Seu final melodramático / lacrimejante, somado às tomadas do julgamento, dá a “Filadélfia” ares de real. Parece que estamos junto com o personagem de Hanks, querendo que ele vença a batalha contra seus ex-chefes e contra a Aids. Os inimigos para combater são infinitos, e aparecem iguais às manchas que o advogado doente exibe no tórax, decorrentes da Aids, durante o julgamento. E ficam suaves tal qual as músicas inseridas no filme, desde a interpretada por Callas (“A Mãe Morta”, de Andrea Chenier), às de Mozart. “Filadélfia” é uma história que “destrói” advogados, mas logo os põe no alto, através da figura de Washington. De novo, como as músicas. Como no choro de Beckett, que sabia estar perto do fim.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 10/07/2009
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