Assombro com nome e sobrenome (publicado originalmente em 4/5/2005)

Num dia sete de maio, escondido no ano de 1945, a Segunda Guerra Mundial terminava com um saldo macabro: mais de 60 milhões de mortos, entre civis e militares. Neste sábado serão seis décadas que esta batalha acabou. Mas algumas sombras permanecem, sobretudo na Alemanha. Adolf Hitler e sua figura estranha ainda estão embrenhados entre os europeus, principalmente germânicos. No livro “Tiranos”, de Antonio Ghirelli, há uma passagem engraçada sobre o ditador alemão (ele era austríaco da cidade de Braunnau do Inn na verdade). Benito Mussolini, chefe maior da Itália fascista, espera a chegada do avião que trará Hitler para uma visita à terra da bota. Ghirelli narra a expectativa do Duce e de toda sua tropa. Mas vem a decepção. “(...) esperam que desça um poderoso guerreiro ariano, agaloado como o Duce. Mas, ao contrário, perfila-se a figura de um quarentão, com aparência de funcionário público. Os presentes ficam chocados com o topete que o hóspede leva caído na fronte e com o estranho bigode apenas desenhado sob o nariz”. O homem Adolf não tinha características de tons extraordinários. Era a pessoa comum, ariano torto, como na música, porém, com ímpeto forte.

O filme “A Queda! As Últimas Horas de Adolf Hitler” (2004), que chega esta semana aos ecrãs brasileiros, e rendeu reportagens em diversas revistas importantes, expõe esta outra face do austríaco que mudou como quis e quando quis a história mundial. Na adolescência e começo da fase adulta, ele caminhava sem rumo na Áustria vendendo pequenos quadros que pintava. Com ralo dinheiro ganho, comprava doces recheados de creme, sua tentação. Teve amigos judeus, inclusive. Acompanhava como podia os musicais de Wagner. Todos sabem sobre sua negação as artes, arquitetura e desenhos. Queria seguir neste caminho. Infelizmente, a frustração venceu. Leitor superficial de obras eternas, aos poucos sua cabeça e seus pensamentos tomavam forma. A Primeira Guerra Mundial nasce e com ela o soldado Hitler também. Quase fica cego aos 29 anos, quando, no front, é atingido por química asfixiante. Ao se recuperar, dão a ele a notícia da derrota alemã. O desespero é instantâneo. Nessa época ainda não sustentava o tal “bigode desenhado sob o nariz”. Era um bigode comum. Seus olhos azuis ainda têm dificuldade de enxergar quando vai a locais da reunião de uma agremiação de direita.

Órfão dos pais antes de duas décadas de vida, Adolf é um rapaz solitário. Não tem irmãos, nem primos. Está na Alemanha. Entra para o disforme NSDAP (em português, Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães). A partir daí, seu trajeto é bem mais que conhecido. “A Queda!”, que concorreu ao Oscar de filme estrangeiro e perdeu para “Mar Adentro” (2004), descortina aos tantos curiosos como foram os últimos dez dias do fuhrer. Até hoje a morte dele é cercada de mistério. Os artifícios usados para matar a si próprio e Eva Braun, sua esposa há apenas alguns minutos, foram um frasco de veneno e o revólver. Sabia-se que o autor de “Minha Luta” (1924) não queria de maneira alguma se entregar e terminar exposto como carne bovina igual a Mussolini, que morrera dois dias antes. E gostaria de laçar o povo alemão junto com ele para o fundo do poço. Mandou bombardearem a capital, Berlim, ao perceber que a vitória era impossível. Nas horas anteriores, havia delirado sobre uma patética vitória. Seu exército não possuía mais almas sãs. Os derradeiros componentes, jovens com menos de 15 anos e velhos com mais de 60, estavam em frangalhos. E Hitler, apático, abatido.

Ele estava doente. Carregava o mal de Parkinson havia meses, talvez anos. Ninguém sabia. Aos 56 anos, seu rosto mentia. Estampava sete, oito décadas. O homem que assombrou multidões e as conquistou, não vivia mais. Não quero aqui relatar a fábula de Hitler, o manso. Nada disso. Mas, para se pensar, ele era um ser humano, com todos os defeitos incorrigíveis, mas um ser humano. Comia, dormia, ria, bocejava, tomava banho. Em plena forma, era vegetariano inveterado. E abstêmio. Tinha um cão. Passava temporadas em casas de campo. Em documentário feito pela KGB, a polícia russa, anos atrás, teses absurdas eram levantadas. Uma delas, Hitler tinha vindo para a Argentina, país onde morreu com mais de 100 anos. Balelas a parte, os 60 anos do desaparecimento do (considerado por historiadores) melhor orador do século 20 não são comemorados. São lembrados. Basta. Emissoras buscam imagens de arquivo, professores se tornam comentaristas, as capas são uniformes. Temos mais o que fazer. Claro, a história precisa ser sempre recordada, senão o perigo dela voltar dobram. E só. Não somente alemães e austríacos, europeus em geral, brasileiros... Hitler já passou.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 29/06/2009
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