Necessitar e sentir (publicado originalmente em 23/3/2005)

A história de “Colateral” (2004) é empolgante e intrigante. O diretor Michael Mann (produtor, entre outros filmes, de “O Informante”, “O Aviador”, “Ali” e “O Último dos Moicanos”) rodou a trama sem dealbar seu fim. O filme se passa entre as 18 horas e as quatro da manhã do dia seguinte. Nestas dez horas, o assassino Vicent (Tom Cruise, que se esforça, mas ainda não consegue indicação ao Oscar) tem a desafiante missão de eliminar cinco testemunhas de um processo contra o traficante de drogas Felix. Acidentalmente, o motorista de táxi Max (Jamie Foxx, o Ray Charles, ganhador do Oscar deste ano que concorreu como coadjuvante por “Colateral”) o leva no veículo, sem saber sobre a profissão dele. Mas quando um corpo se espatifa no vidro principal do carro do taxista, é dada a largada para a cumplicidade entre os personagens de Cruise e Foxx. O dia é de cão, mas depois Max terá o que contar aos netos. Sempre com computador portátil à mão, Vicent vê todo itinerário a fazer e conhece suas vítimas pelas fotos lá colocadas. E o chofer tem de cumpri-lo à risca, senão... A dupla de noctívagos percorre a cidade aniquilando as pessoas e driblando os policiais. Os ventos mudam.

Debalde, os tiras se perdem em procurar o matador. Jamie Foxx dá a Max os tons calculados de medo e humor, precaução e ironia. Respeita Vicent, já que não quer morrer, porém tudo tem limites. E esta linha divisória é riscada quando o motorista descobre que a quinta e última pessoa a ser morta pelo serial killer é Annie (Jada Pinkett Smith), bela promotora e a passageira do táxi anterior ao vil e profissional carniceiro. Ela havia deixado seu cartão a Max, com esperanças e perspectivas ao flerte que rolara no automóvel. E estamos, então, com mocinha, bandido e galã. Com o triângulo rotineiro formado, é hora da ação. O cenário é Los Angeles. A noite iluminada devidamente sobrecarregada em sombras dá à fita ares de produção noir, mas sem cigarros, fumaças e detetives sabidos. A cabeça de Max entra em parafuso e o trabalho de Vicent fica comprometido. Nesta fase, a película entra nos caminhos de montanha-russa, e os altos e baixos saem do armário. O seqüestro do táxi prossegue e o atirador de aluguel não sabe se agora terá sucesso para concluir sua operação ligada ao narcotráfico. FBI logo começa a persegui-lo. Ele teme em ser pego e julgado pelos cinco assassinatos cometidos.

A direção de Michael é rigorosa. Tanto Tom quanto Jamie declararam isto em depoimentos que compõem os extras do DVD lançado recentemente. O elenco inicial do filme teve de ser totalmente remodelado. Russel Crowe (que trabalhou com ele em “O Informante”) estava cotado para encarnar o assassino e Adam Sandler quase fez Max (por sorte, ficou com Foxx esta interpretação). Val Kilmer chegou a confirmar sua participação para dar vida ao detetive, mas devido a coincidência de datas de “Alexandre” (2004) e “Colateral”, o ator teve de desistir. O papel acabou com Mark Ruffalo. Como praticamente todo o filme é rodado fora dos estúdios, e a noite atua em larga escala, o diretor preferiu utilizar a câmera digital, para melhor capturar as imagens. A alta definição acompanha o desenrolar. Ao investir nas artimanhas do destino (Max inicialmente ignora o pedido de Vicent para a viagem, e só depois grita para ele, chamando-o para o táxi). São segundos que podem mudar sua vida. O sonho dele, de trabalhar como administrador de frota de limusines e abandonar o táxi, onde dá duro a 12 anos, é ameaçado. Querer e adiar. É isso que o longa berra. Não deixar as aspirações para depois.

Foi isso que fez Tom Cruise. Filmou “Colateral” para se dedicar depois à terceira fita “Missão Impossível”, prevista para 2006. A empresa de locação de carrões pode esperar, assim como “Missão Impossível 3” também. O emprego “temporário” de Max rende uma amizade às avessas com Vicent: ambos conversam sobre suas biografias, às vezes se entendem, outras não. Confidentes desconfiados. Annie está no meio disso tudo, sem saber do perigo que corre. O motorista e o matador representam coiotes numa mesma jaula, aprisionados por balas de revólver, sem poder passear pelas ruas como se fossem donos delas, como aparece na fita. Se em determinados momentos Vicent dá impressão de ter sentimentos, noutro logo os cospe, pois precisa cumprir seu legado. Esta diferença entre necessitar de e sentir prazer e arrependimento neste rolo compressor de matanças é tão fina e sensível como minas terrestres. Explodem sem avisar. Para compor o personagem, vemos Tom Cruise alterado. Cabelos e barbas grisalhos ao invés do cabeludo poderoso de “O Último Samurai”, por exemplo. Deixa o lado “bonzinho” e se torna a pessoa disposta a tudo. É esse espírito do filme. Render-se de olhos fechados.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 22/06/2009
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