Por trás da máscara (publicado originalmente em 19/3/2005)
Gaston Leroux escreveu, em 1920, um belo musical de teatro na qual abordava a relação de da prima-dona Christine com seu mestre sem nome. Homem sombrio, escondido nos porões do teatro onde eram encenadas estas operetas, tinha alguns segredos. O maior deles, a parte direita do rosto. A máscara, pela metade, fabricava mistérios ao seu redor. Desse modo, o sucesso de “O Fantasma da Ópera” (2004) percorreu décadas até pousar no século 21. Obras desse calibre não se esquecem logo. Seria heresia. O filme é recatado e requintado. No elenco, Patrick Wilson (Raoul), Emmy Rossum (Christine) e Gerard Butler (Fantasma). Do trio, a mais jovem, Emmy (18 anos), é quem tem mais bagagem profissional (participou da inundação de “O Dia Depois de Amanhã” e de “Sobre Meninos e Lobos”). “O Fantasma da Ópera” é 95% cantado. História de amor onde próprios atores interpretam as músicas, sem dublagens de estranhos. Com cenário irrepreensível, o diretor Joel Schumacher (o mesmo do horrível Batman & Robin, de 1997) dá à fita ares de entretenimento elegante. A cena que passa do preto-e-branco ao colorido, a partir do candeeiro, é uma amostra dessa classe bem exibida.
Tanto na peça como no filme, Christine é uma jovem tímida que, pelos caprichos e frescuras da atriz principal do teatro, Carlotta (Minni Driver), é convidada a substituí-la. E se dá muito bem. Mas, além disso, Christine tem atrás das cortinas uma ajuda “sobrenatural”: órfã, seu pai antes de morrer lhe disse que enviaria um professor de música. O tal sujeito vem. Não aparece, claro. A cantora nutre paixão avassaladora pela voz dele. Esse amor platônico pelo mestre invisível cresce a cada dia. O Fantasma se sente o dono do teatro. Vive lá desde a adolescência e é profundo conhecedor das artes. Escreve peças, tem boa voz. Insiste para que seus trabalhos sejam executados, senão ele se vinga de forma maquiavélica. O primeiro passo foi atendido: a escalação da moça para o papel principal. Seus outros pedidos invadem as regras do local. Ainda mais se seus donos chegaram agora ao posto que ocupam e são inexperientes. Ameaças do Fantasma seguem. Assassinatos ocorrem no meio das peças e a platéia fica atônita. Enfim, ele aparece. Atrás do espelho. As músicas vão como em um trem, atrás da outra. Emmy oferece sensualidade. A voz é límpida, suave. Linha reta e bem cuidada, esmerada.
Madame Giry (Miranda Richardson), a única pessoa que sabe dos meandros do Fantasma da Ópera e do enorme labirinto que são os porões, é a responsável por proteger a frágil Christine. Raoul, o novo patrocinador do teatro e amigo de infância da cantora, de imediato se apaixona por ela. Essa dúvida de com quem ficar (Raoul ou seu guia medonho) permeia toda a fita. Giry define o Fantasma como um “gênio”. Mas este ser totalmente desfigurado atrai a bela soprano ao seu calabouço. Esteve em disputa no Oscar deste ano em três quesitos: direção de arte, fotografia e canção original (perdeu respectivamente para “O Aviador” – nas duas primeiras – e “Diários de Motocicleta”). O filme peca em ser “musical” demais. Falas sem importância têm entonações fortes que são desnecessárias. Se fossem economizadas, talvez o resultado, ao todo, sairia mais proveitoso. Ao contrário disso, frases ditas pelo trio Gerard-Emma-Patrick são dotadas de romance, como se pétalas de rosas iguais aquelas oferecidas pelo Fantasma da Ópera (com laço negro) caíssem sobre eles. São bailes amorosos nos quais a interrogação vence. Somente no último ato, como numa peça real, a escolha será definida.
Igual a cabos-de-guerra, Christine se vê cortada entre essas duas pessoas: Raoul, seu visível e apaixonado amor; e Fantasma, aquele que lhe ensinou tudo sobre música e dança e agora quer ser seu dono para a eternidade. Chamado de “Anjo da Música” por ela, o morador das catacumbas do teatro é ciumento e obsessivo. Os melhores números musicais da película são precisamente protagonizados por ele, que a chama. E a hipnotiza na coreografia mágica que a embala. No fundo, o personagem de Gerard é uma pessoa solitária, amedrontada com o mundo ao redor, por não ter contato com ninguém durante anos. A trilha sonora é assinada por Andrew Lloyd Webber, que desembolsou boa parte dos 70 milhões de dólares da produção do longa. “O Fantasma da Ópera” era para ser rodado em 1990, com a cantora e então esposa de Webber, Sarah Brightman, no papel de Christine (que ela já fazia no teatro). Mas o divórcio do casal naquele mesmo ano adiou o projeto. Emmy, angelical como pede a personagem (e com a idade igual à das páginas de Leroux), acabou sendo a preferida 15 anos depois. Ficou bem. O mascarado monstruoso agradece. Cobra-lhe a gratidão para sempre. Quer a emoção.