A bonequinha de luxo Audrey Hepburn (publicado originalmente em 9/3/2005)
Determinados filmes se eternizam devido a certa personagem. Isso é o mais comum. Mas existem outros onde o ator ou a atriz que o protagoniza fica vincado pelo próprio nome, confundindo-o com o da pessoa fictícia. Quando se fala em “Bonequinha de Luxo” (1961), Audrey Hepburn vem imediatamente às nossas cabeças. A fita é um primor em termos de romance, trilha sonora, canção e sutileza delicada. Com título original de “Café da Manhã na Tiffany”, a história de Holly Golightly, a garota de programa espalhafatosa e atrapalhada, é pura e ingênua. Atabalhoada com seus “afazeres”, ela mal dá conta do apartamento. Sempre perde as chaves da porta e assim, atormenta o pobre síndico Mr. Yonioshi (Mickey Rooney, com uma dentadura ridícula). Tem um gato. Porém, por acreditar na importância nula dela na sociedade, deixa o felino sem nome, sem uma identidade, assim como ela. Às quintas-feiras, vai à penitenciária visitar cordialmente Sally Tomato, traficante de drogas que lhe dá 100 dólares por semana. Festas acontecem na sua casa. Ela vive assim, com idas e voltas eternas.
Até surgir Paul Varjak, escritor medíocre que Holly insiste em chamar de Fred, para se lembrar do irmão, com quem é superapegada. Varjak (George Peppard) vai morar no mesmo prédio da moça. Leva a vida sem perspectivas. É sustentado por 2-E (Patricia Neal), que se faz passar por decoradora dele, mas na verdade, é uma espécie de amante não grata. As obras de Paul/Fred são reconhecidas por poucas pessoas. A cena do primeiro encontro dele com Holly é terna ao extremo. Ela de camisa masculina (só). Ele tentando procurar os sapatos de couro de crocodilo da garota embaixo da cama. Se ele achará ou não, importa pouquíssimo. Dia após dia, eles se entrosam. E resolvem sair para fazer aquilo que nunca fizeram. Ela, entrar na loja de jóias Tiffany, e sair de lá com um presente (Holly diz ir para este lugar e olhar a vitrine sempre que se sente chateada, ou quando algo dá errado e a solução não é encontrada – ela “desabafa” vendo os brilhantes). Ele, roubar alguma coisa. Neste ponto da fita está outra cena impagável: os objetos que ambos surrupiam são máscaras. Saem com elas nos rostos.
Mas o relacionamento deles não deve avançar. Holly pretende se casar com um milionário do Brasil e só voltar aos Estados Unidos para mostrar aos filhos (“nove pestinhas brasileiras”, segundo ela) a beleza de Nova Iorque. As aulas de português (“um idioma dificílimo, com mais de quatro mil verbos irregulares”) estão num disco e têm sotaque dos habitantes de Portugal. Quer porque quer vir para a América Latina, mesmo que leve uma vida chata de casada, fique gorda e esqueça das coisas, inclusive do gato sem nome. O duro é contar isso ao escritor. Está caído por ela. Não é o primeiro. E provavelmente não será o último daqueles homens que ela chama de “ratos” ou “superratos”. Sempre desconfiada da raça barbada, Holly tem a impressão de que nenhum homem vá realmente amá-la e por isso esquiva de todos. Situações embaraçosas ocorrem. A personagem de Audrey é abandonada por rapazes que prometem casamento, e é isso que agrava seu trauma. Cansada de ser prostituta de luxo, nos áureos anos dourados nova-iorquinos, decide mudar a história. O Brasil, a saída encontrada.
Em “Bonequinha de Luxo” a canção “Moon River” deixa espectadores babando. É executada em mais da metade do longa, dirigido por Blake Edwards, baseado na novela de Truman Capote. A belga Hepburn (a atriz brasileira Lavínia Vlasak se parece demais com ela) tem um solo com violão, sentada na janela de seu apartamento, na seqüência mais tocante da película. As marcas registradas de Audrey, os óculos escuros, a cigarrilha e o cabelo preso no alto, fazem por si só o filme. Eleita a melhor atriz por “A Princesa e o Plebeu” (1953) no Oscar, aos 23 anos, trabalhou em sucessos como “Sabrina”, “Uma Cruz à Beira do Abismo” (1959) e “Minha Bela Dama” (1964). De rosto angulado, beleza única, é considerada uma das mulheres mais lindas da história do cinema. No fim da década de 70, largou o ofício da interpretação. Passou os últimos anos de vida como embaixadora da Unicef. Nesta instituição, confortava crianças do Terceiro Mundo. Já sofria de câncer de mama nesse período e morreu em 20 de janeiro de 1993, aos 63 anos. A “Bonequinha de Luxo”, no entanto, ficará por aí, com seu gato sem nome. Passeando pelas ruas de Nova Iorque. E parada nas vitrines da Tiffany.