Volte para o circo, Jim! (publicado originalmente em 2/2/2005)
Jim Carrey jamais pisou em picadeiros. Ao contrário. Aos 19 anos, deixou seu país de origem, Canadá, e fez romaria até Hollywood para tentar carreira de comediante. Antes, na época em que ele estudava, divertia seus colegas de classe com várias imitações e trejeitos faciais, que mais tarde lhe encheriam os bolsos com milhares de dólares. Mas a chegada até este cume não foi fácil. Filho de um músico frustrado e de uma senhora doente, James Eugene Carrey é de 1962. Sua primeira empreitada pós-shows familiares aconteceu em 1978 numa famosa casa de shows canadense. Foi um fracasso. A platéia detestou a performance dele. Porém, Jim havia prometido a si não repetir o pífio desempenho do pai, o qual fez minguar o futuro. Carrey pediu ajuda ao pai para melhorar seu texto. Durante dois anos, a dupla refez todo o roteiro do show. Em meados de 1980, Jim retornou ao mesmo ponto onde antes recebera vaias homéricas. Desta vez, o público veio abaixo e as gargalhadas eram infinitas. Nos Estados Unidos, iniciou bem, mas a piora no estado de saúde da mãe o deixou sem dinheiro. Os pais dele, que viajaram com ele aos EUA, tiveram que voltar ao Canadá. Jim Carrey estava depressivo.
Este pequeníssimo resumo da biografia de Jim Carrey serve para entender o porquê deste hoje milionário ator se esbaldar em comédias. Ele deveria se reservar para isso e se meter pouco em fitas cuja trama inspire drama, emoção, tensão. E nos filmes engraçados, Carrey nunca se renovou no seu espalhafatoso repertório: utiliza sempre caretas, abre bem aquela bocarra horrível, vira os olhos e fim de papo. Foi com este truque de bolso que ele participou de “O Máskara” (1994), “Eu, Eu Mesmo e Irene” (2000), “O Mentiroso” (1997), “Ace Ventura” (1994 e 1995), “Todo Poderoso” (2003), “Débi & Lóide” (1994) e “O Pentelho” (1996). Há outras películas, como “O Grinch” (2000), mas o caráter da história é tão ruim que não vale nem a pena comentar. Do ano de 1994 para frente, Jim Carrey, de talento para casas de shows, ganhava cachês de astros de muitos quilates. Do “raso” salário de “Ace Ventura” (450 mil dólares) para o de “O Pentelho” (20 milhões) é um salto e tanto. Para quê? Caretas e outras caretas. Neste refolgo entre uma graça e outra, ele recebeu convite para filmar “O Show de Truman – O Show da Vida” (1998). A história do Big Brother lhe trouxe satisfação. Enfim, era Jim.
Os diretores viam em Carrey (por engano) o estereótipo do bom ator: sabe se transportar sem desequilíbrios da comédia para o drama ou para a comoção. É neste ponto que a corda arrebente e o ator cai. Tanto em “Cine Majestic” (2001) como em “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (2004), dois trabalhos pesados, Jim se deixa levar na esportiva. Não encara o papel com a seriedade esperada. Ele, isso sim, alavanca outros papéis, como o de Kate Winslet no filme do ano passado. Não à toa ela recebeu sua quarta indicação para o Oscar de melhor atriz (o filme concorre também na categoria de roteiro original). Com esta exceção, as outras fitas são meramente comerciais. Quem é fã dele vai ao ecrã para analisar se ele continua igual. Salta a vista a resposta: sim, Carrey não muda. O recém lançado “Desventuras em Série” (2005) é prova cabal desta minha afirmação. Esta película obteve quatro apontamentos ao prêmio máximo do cinema, mas apenas para fazer figuração. Ficou entre as cinco melhores nos quesitos trilha sonora, maquiagem, direção de arte e figurino. A última, aliás, vem por merecimento. O foco principal está em Jim. Ele rouba a cena. Mas pejorativamente.
Atrapalhando as crianças, o ator dá a entender querer para si os dotes da fama. Assim como os seus colegas médios – Eddye Murphy, Steve Martin, Jackie Chan e afins – nunca sairá desta rodinha justamente por não se reinventar a cada set de filmagem novo. Ao explodir em “O Máskara”, ao lado da também então novata Cameron Diaz, os espectadores deliraram com sua interpretação do jovem tímido e desajeitado que, ao colocar a tal máscara, vira um sujeito maluco e extrovertido. Em 2005 será lançada a continuação do filme. Inicialmente chamado de “O Filho do Máskara”, todo o elenco do primeiro filme ficará de fora. A estréia dele em frente às câmeras ocorreu mais de uma década antes. Com papéis menores que coadjuvantes, esteve em, por exemplo, “Casos de Família” (1991), “Meu Amante é de Outro Mundo” (1989), “O Cadillac Cor-de-Rosa” (1989) e “Procura-se Rapaz Virgem” (1985). Neste tempo, Jim ainda era assíduo freqüentador de pocket-shows e sua carreira já lucrava uns trocados. A mãe, morta em 1991, não pôde assistir ao auge da fama do filho, que estava no programa de tevê “O Ator Anti-Natural”. Depois disso, almejou outros tipos de responsabilidades.
Após reconhecimento mundial de 1994, foi escalado para fazer o vilão Charada na terceira fita do “Batman” (1995). Inicialmente, a produção pendeu-se para Robin Williams, que tinha encantado todos por “Uma Babá Quase Perfeita” (1994) e “Sociedade dos Poetas Mortos” (1990). Mas Carrey estava no topo e o ator aceitou no ato. O resultado não foi bom. “Batman III” fracassou na bilheteria e a crítica depenou Carrey, Tommy Lee Jones (o Duas Caras), Val Kilmer (Bruce Wayne/Batman), Nicole Kidman e Chris O’Donnel (Dick Grason/Robin) até eles pedirem água. Isso não foi a única vez. Com “Cine Majestic”, a pouca venda de ingressos se repetiu. O fato de entrar em cartaz junto com “O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel” (2002) pode ter desengonçado os planos do ator. Ademais, esse capricorniano de 17 de janeiro prossegue. Para os próximos meses, serão produzidos outros três trabalhos com Jim Carrey neles. São “O Homem de Seis Milhões de Dólares”, “A Vida Secreta de Walter Mitty” e “A Alegria com Dick e Jane”, do qual ele também é produtor. Em 2004, apresentou, na festa do Oscar, a entrega da estatueta honorária ao experiente diretor Blake Edwards.
Fez dos sets seu palco. Do público, vieram aplausos. Mas ele merece um pouco menos. Sei que Jim Carrey nunca trabalhou num circo. Assim mesmo, quero que ele volte para lá. Um palhaço de nome Jim Carrey.