São coisas que acontecem... (publicado originalmente em 29/1/2005)
Antes de mais nada, “Perto Demais” é um filmaço. Quatro pessoas, cada qual com a respectiva história, se encontram no acaso, se apaixonam, se separam, voltam, se amam, abandonam-se como se fosse simples assim. Dan (Jude Law), escritor medíocre e jornalista de obituários conhece Alice (a bela Natalie Portman) em uma rua, quando a moça sofre um pequeno acidente. De uma cena para a outra, já estão juntos, antes, claro, de se flertarem em alta temperatura, simultaneamente com o jeito tímido e atrapalhado de Dan. Quando este se prepara para lançar seu livro, se encanta por Anna (Julia Roberts), jovem e competente fotógrafa que tirará retratos dele exatamente para aquela obra cheia de páginas. O conteúdo digitado pelo personagem de Law discorre sobre a vida da de Portman, garota ex-stripper, vinda de Nova Iorque, que tenta vida melhor nos frios calçadões de Londres. Depois da condução desta trama, onde Anna se recusa a ficar com Dan, este, para cometer pequena vingança, arma o encontro dela com um qualquer que ele conheceu num bate-papo erótico da internet, quando o jornalista se fingiu de mulher.
É aí que surge Larry (Clive Owen). Dermatologista tarado, machão, sempre com barba rala por fazer. Ele também se desmonta quando vê a fotógrafa no tal encontro arrumado por Dan. E, nesses lances do “destino”, ambos se apaixonam. A partir daí “Perto Demais” entra numa roda-viva repleta de brigas, traições, manipulações, reconciliações, dissidências, perguntas diretas e objetivas, diálogos precisos sem meio-termo. Enquanto o médico tem maneiras mais vulgares, o redator de obituários é carinhoso e atencioso. São essas características que dão tom ao filme. O desembaraço condutor dos quatro atores é surpreendente. Bem guiados pelo superexperiente diretor alemão Mike Nichols, eles conseguem realizar ótimos momentos. Pode-se afirmar aqui que, desde “A Primeira Noite de um Homem” (1967), Nichols não fazia um trabalho como esse. Com ele, papas na língua não existem. O que importa são as relações entre as pessoas. Para isso, utiliza expressões e palavras fortes em cenas de impacto, sem se importar muito com regras de boa conduta. O talento da película é tão grande que poderia ser rodada sem os figurantes, em cenário de estúdio.
A música também contribui. Às vezes clássica, outras melodias românticas, e até brasileiras (na exposição de fotos de Anna, ao fundo escuta-se Bebel Gilberto cantando “Samba da Benção”, de Vinícius de Moraes). Do quarteto, Clive e Natalie roubam a cena. O primeiro, impõe respeito com o ar sempre fechado, dando a impressão que baterá em alguém a qualquer momento, ao mesmo tempo em que faz perguntas “estranhas” à companheira quando esta revela que quer se separar. Natalie é o oposto. Carinha de anjo atraente, o narizinho arrebitado do estilo “não se metam na minha vida”. A seqüência destes dois atores no clube de strip-tease é maravilhosa. Todos os “thank you” ditos por Alice soam como pétalas repousando no chão. São diversos, até que Larry se enerva com a meiguice fingida dela. Jude Law representa o elo mais fraco desse quadrado. Seu personagem se demonstra se sentir o pior de todos e implora para não ficar sozinho. É difícil analisar Julia Roberts. Ela aparente mais frieza aqui se comparado com outros filmes que rodou. Claro, a personagem exigia isso, mas a atriz exagerou de verdade.
Na fita, há momentos nos quais o público fica condicionado a torcer por determinada pessoa. Os minutos se passam e instantes depois o próprio público se vê vibrando pelo personagem oposto. Essa constante inversão de sentimentos é proposital, pois é desse jeito na vida. Nada está como era ou foi. Tudo se troca a todo segundo, sem pensar. Ninguém tem pena de ninguém, apesar de “Perto Demais” essas sensações parecerem normais. E não são. Ajoelham-se todos nessa questão. Palavras medidas não é o forte de Nichols, vide o já citado “A Primeira Noite de um Homem”. No filme de 2005, esse lado sincero ao extremo continua. Ainda bem. E, mesmo com todas essas comprovações elogiosas, a Academia cometeu a injustiça de deixá-lo fora de categorias importantes como diretor e filme. Teve, por merecimento, indicações de ator e atriz coadjuvantes para Owen e Natalie, ambos a princípio favoritos, pois levaram o Globo de Ouro deste ano. A atriz havia participado antes das duas películas de “Guerra nas Estrelas” (1999 e 2002 e estará no terceiro, que estreará em maio deste ano). Clive foi Arthur em “Rei Arthur” (2004).
“Perto Demais” é um filme sobre a vida. E só. Assim como “Encontros e Desencontros” (2004) e “Harry & Sally – Feitos um para o Outro” (1989), a trama de Mike está num rol especial, singelo, de olhares trocados, beijos correspondidos (ou não). Amar, aqui, é verbo intransitivo sem rodeios. Se magoar alguém é inevitável, que seja então, e o mais rápido possível, para que o outro sofra o menos possível. Às vezes não dá. E vem as lágrimas. A dor da separação pode ser irreparável. Nem tanto em alguns casos. Dos personagens de “Perto Demais” (“Closer”, no título original) isso é corriqueiro e recorrente. O destino encaminha-os para lugares esperados. Advoga por eles. Se existe ou não, creia-se nele ou não, o destino aparece. Aliás, isso são coisas que acontecem... Diariamente, pessoas vão e vem, não usam seus olhos para avistarem o vizinho. Retaliações são comuns. Quem se gosta alegra o outro. É só notar os casais desta fita. Marasmo inexplicável. Nichols retirou talento até a última gota dos quatro profissionais. Soube explorar o que cada um tinha de melhor. Arrastou-os para gestos que ele desejava. Conseguiu o primor.
Assistir “Perto Demais” é como se fosse andar por aí e topar com gente como eu, você, pelas ruas, andando e costurando nossas biografias. Cada qual com seus problemas, dúvidas, paixões. Os dias passam... A vida é curta.