Fitas velhas de um melancólico saudosista (publicado originalmente em 13/11/2004)

Outro dia, estava remoendo sobre os anos 80 e 90. Decidi, então, recuperar algumas das minhas VHS onde estão gravadas os momentos fascinantes daquele tempo, e revê-las. Não são tantas assim (mais ou menos 50), em comparação a coleções de verdade, na acepção da palavra. Mas, modéstia a parte, tenho registrado algumas pérolas, das quais me orgulho. Uma delas é a entrevista do mineiro e poeta Carlos Drummond de Andrade ao jornalista Roberto D’Ávila em 84, três anos antes da morte do autor de “E agora, José?”. É emocionante... Há outra entrevista fora de série: a de Garrincha, em 1978, para o programa “Vox Populi”, da TV Cultura. Com seu jeito tímido e frases desconexas, o eterno craque do Botafogo fala, por exemplo, do fim do casamento dele com a cantora Elza Soares. Claro, 1978 não pertence à década de 1980, mas está encostado. A bombástica conversa de Roberto Cabrini com o ex-presidente Fernando Collor de Mello, em agosto de 1995, veiculada pelo SBT, faz também parte do meu arquivo. Sou fisgado quando imagens do arco da velha aparecem. Por aí vai...

Evidentemente que há entre essas empoeiradas fitas, estocadas nas minhas prateleiras, takes de outras épocas. O programa “Quem Tem Medo da Verdade?”, da TV Record, em 1970, quando Silvio Santos atuou como advogado de defesa de Roberto Carlos, está bem aqui, guardado. Quando Chico Anysio recebeu importante homenagem da TV Globo, lá fui eu para a frente do videocassete apertar o botão REC. Consegui o dueto que o humorista fez com Elis Regina, em preto e branco, cantando a música “Canto de Ossanha”. E Flávio Cavalcanti esculachando a canção “Merda”, do compositor e cantor Caetano Veloso, em 1986, quando o apresentador comandava às quintas-feiras seu programa no SBT? Tenho catalogada, of course. O anúncio da morte de Tancredo Neves, a 22 de abril de 1985, declarada pelo então assessor Antônio Brito, tal como as imagens de Getúlio Vargas dentro de seu caixão, no velório de agosto de 1954, possuo-as. As lágrimas de Silvio Santos ao escutar o discurso de Manoel de Nóbrega quando ganhou sua primeira concessão de TV, em dezembro de 75, está aqui.

Nasci em 82, na semana da morte da “Pimentinha” gaúcha, e talvez isso faça com que, de um modo ou de outro, eu tente recuperar algo que nunca tive. Quando gastei meus neurônios pensando nas décadas de 80 e 90, minhas visões iniciais caíram em dois seriados que, de repente, sem alarde de ninguém, viraram cult: Chaves e Chapolin. Atualmente, jovens com menos de 20 anos idolatram as aventuras escritas e roteirizadas por Roberto Gomez Bolaños (intérprete dos dois personagens). São produções baratíssimas, cenários de papelão, cadeiras de isopor, mas com uma característica extrema que fez todo o sucesso: elenco empenhado. Maria Antonieta Rodrigues, a Chiquinha, afirmou certa vez que se tratava da “reunião dos melhores comediantes do mundo num programa só, por isso deu certo”. Gravado entre 1973 e 1983, os episódios de 22 minutos (sem intervalos) são inesgotáveis. Os atores ficaram bem de vida, se desentenderam na hora precisa, e a série acabou no auge. Ponto para eles. As reprises garantem, quando bem exibidas, índices de audiência invejáveis. O SBT que o diga.

Bolaños cansou de dizer que nada foi feito para fazer sucesso. A criação do antiherói Chapolin teve explicação literária: “Dando as devidas proporções, quando Cervantes escreveu ‘Dom Quixote’, o fez porque existia diversos heróis bonzinhos, fortes. Tive a idéia do Chapolin quando percebi igual situação no mundo: era o Batman, Superman etc... Criei o oposto deles”, revelou Roberto, hoje com 75 anos (fará 76 em fevereiro). Na confecção do uniforme, novamente a ocorrência do destino: “cor azul ficaria horrível com cromaqui (paredes azuis para montar efeitos especiais), a preta lembrava morte, o branco também não ficou bom, e sobrou apenas o vermelho”. De todo o elenco de Chaves e Chapolin, só Maria Antonieta e Carlos Villagrán (Kiko) ainda se vestem como seus personagens para fazer shows em circos e dar entrevistas. A primeira completará 54 anos no próximo mês e o segundo já é sessentão. Os outros, Ramon Valdez (seu Madruga), Raul Padilha (Jaiminho, carteiro), Angelina Fernandez (a bruxa do 71) e Horácio Gomez (irmão de Roberto, Godinez) faleceram entre 88 e 99.

A minha geração, que me perdoem os adoradores de “Rin Tin Tin”, “Zorro”, “I Love Lucy”, “Vigilante Rodoviário”, “Papai Sabe Tudo” e “Capitão 7”; cresceu assistindo Chaves e Chapolin. E não foram só esta dupla que nos prendia na frente da televisão. “O Elo Perdido” e “Punky – a levada da breca” nos amarravam. “O Elo Perdido” tinha como protagonistas três pessoas: pai, filho e filha. O trio havia se perdido durante um passeio e caiu, literalmente, na era dos dinossauros. Surpresos na imensidão de florestas e bichos esquisitos, tentam retornar ao tempo deles. Enquanto não conseguem, lidam com os perigos do período antes de Cristo. “Punky” é uma menina esperta de oito anos que é abandonada pelos pais e encontra abrigo na casa de Henry (Artur na versão brasileira), fotógrafo de 70 anos, rabugento e cheio de manias. Filmado entre 1984 e 1988, o seriado atraiu milhares de fãs de todos os lugares, inclusive no Brasil, onde foi reprisado até meados dos anos 90. Os dois – “Elo” e “Punky” – despertaram interesse em diferentes faixas etárias. Correntes de todas as idades próximas.

O curioso e engraçado é que nenhuma destas atrações se transformou em longa-metragem. Há filmes dirigidos por Roberto Bolaños, onde ele próprio atua junto com o elenco dos seriados Chaves e Chapolin, mas com enredos/roteiros totalmente diferentes dos costumeiros. “Aventuras em Marte”, de 1981, tem o super-herói das antenas vermelhas como protagonista de 1h 20 minutos de diversão. Soleil Moon Frye, atriz que encarnou Punky por quatro anos, tem hoje 28 anos e está afastada dessas telas desde 2001. Desde a série, trabalhou em produções de menor expressão. Não se firmou em nada que trabalhasse, seja por desorganização de produtores ou falta de preparo das equipes. Perspicácia e talento ela tinha de sobra. Ao lado de George Gaynes (presente em todos os filmes da “Loucademia de Polícia), este na pele de Artur, a atriz comoveu espectadores com seus bicos mimados e os cabelos presos de maneira peculiar. Quando as filmagens de “Punky” encerraram, há 16 anos, Soleil estava com 12 e a pré-adolescência a impediu de prosseguir no papel. Porém, a meiguice dela sobreviveu.

E esse estoque de relíquias, as fitas preciosas, ficará aqui.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 07/06/2009
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