Santa paciência, Batman! (publicado originalmente em 18/9/04)

Em 1966, uma série de televisão revolucionou a indústria dos super-heróis do mundo todo. Esta reviravolta não tinha como causas principais histórias emocionantes, bem encenadas, nem tampouco estruturas de efeitos especiais mágica. Nada disso. Continha, isso sim, sarcasmo e uma lista enorme de piadas prontas. “Batman” (1966 a 1968) estreou sem grandes expectativas. O índice de audiência foi grande (fato não esperado) e Leslie H. Martinson, diretor dos episódios, junto com o roteirista e escritor Lorenzo Semple Junior resolveram fazer um longa-metragem. Os atores seriam os mesmos: Adam West no papel do Homem-Morcego, Burt Ward na pele do Menino-Prodígio Robin, Burgess Meredith como Pingüim, Cesar Romero interpretaria Coringa, Lee Meriwether encarnaria a Mulher-Gato e Frank Gorshim faria Charada. Do elenco, somente Burgess e Cesar possuíam reconhecimento internacional. O primeiro era ex-repórter de pequeno jornal em Ohio, cidade dos Estados Unidos, sua terra natal. Já o segundo foi ex-dançarino e integrou “Cisco Kid”, série famosa na década de 1940.

Os demais vinham também da TV ou do teatro. Aos 38 anos, Adam tinha o rosto característico daqueles atores malandros, onde meros olhares mostravam desdéns inquietos. Burt, antes de iniciar as gravações do seriado, estava desempregado e pouco tempo antes havia trabalhado numa corretora de móveis. Contava 21 anos. Logo nas primeiras cenas de “Batman, o Homem-Morcego” (1966), as variações do escracho total para com a dupla mais celebrada dos quadrinhos fica explícita: o herói de identidade-secreta Bruce Wayne sofre para se desvencilhar de um tubarão, quando, na bat-escada, ele (Batman) fica preso pela perna. Só que o animal aquático, percebe-se, é de péssimo estado. Mistura-se nele plástico com outro material qualquer. É para se dar rios de risada. Na aparição número um de Romero, com seu traje roxo e lilás do Coringa, a maquiagem não conseguiu disfarçar o imaculado e afamado bigode do ator, que se recusou a passar barbeador na marca registrada dele para filmagens. O enredo nada tem de espetacular. Porém, as animações nas brigas (Sock! ,Tum! etc) estão presentes.

O quarteto de vilões se reúne para roubar uma invenção de rico empresário de Gotham City. A engenhoca desidrata (notem o absurdo) pessoas, reduzindo-as a pó. A intenção dos arqui-inimigos é destruir todos os componentes da ONU (Organização das Nações Unidas), consequentemente, serem donos do mundo. Há nesta fita várias frases com segundos propósitos, a maioria delas relacionadas à Guerra Fria (1947-1989), que na época estava no ápice das discussões nucleares entre Rússia e EUA. Meriwether, por exemplo, se disfarça de jornalista russa para questionar, durante entrevista coletiva, Batman e Robin. E, óbvio, as perguntas dela são dadas como engraçadas pelos paladinos da justiça e ignoradas. Outra amostra dessas peculiaridades políticas vem com lançamento de mísseis teleguiados construídos pelo bando do mau. Estas armas são catapultadas do submarino do quarteto e causam as preocupações mais inviáveis nos heróis. Dos lados opostos, existem na película cenas extremamente divertidas. Uma delas aglomerou improviso, boa sacada e talento dos câmeras e da direção do filme.

Batman encontra uma bomba num bar e tem de jogá-la fora antes de todo o porto vá pelos ares. Começa, então, seqüências nas quais morcego humano não tem sucesso na destruição do objeto. Ora aparecem casal de namorados em clima romântico dentro de um mini-barco, depois é uma família de patos, em outro momento são freiras que passam na frente de Batman. Depois, no meio disto tudo, o ator West solta a pérola: “Tem dias em que é difícil se desfazer de uma bomba”. Nos extras do DVD, lançado meses atrás, está a entrevista de Burt e Adam. Nela, o intérprete do Homem-Morcego revela que Ward não foi poupado de cenas perigosas. “Ele (Robin) não sabia o que aconteceria quando nos dirigíamos aos sets de filmagem ”. Burt ainda completa a frase do amigo: “Várias vezes fui parar no hospital com machucados, alguns graves”. Adam provoca o companheiro: “Burt era de fato bastante ingênuo”. A parceria de ambos resultou em amizade, a qual dura até hoje, quase 40 anos após os dois se conhecerem. Atualmente, Adam West tem 76 verões e Burt Ward entrará na casa dos 60 em 2005.

Foi neste seriado que expressões como “bat-horário”, “bat-local” e “bat-canal” surgiram e, daí em diante, foram espalhadas pelos cantos do planeta. Ao todo, foram gravados aproximadamente 50 episódios com 30 minutos de duração cada entre 1966 e 1968. Meredith é, sem dúvida, quem mais se deu melhor com o papel. Seu Pingüim ficou perfeito. O monóculo unido à cartola e a cigarrilha lhe caíram bem. Além, é claro, de suas imitações de pato de vez em quando (qüein, qüein). A única falta no DVD está exatamente no desaparecimento tanto de Burgess (em 97, aos 88 anos) como de Cesar (três anos antes, aos 86). Certamente, esta outra dupla daria belo depoimento, sobretudo porque eram dotados de magnífico esmero na elaboração dos personagens. As tiradas de Robin (“Santo problema, Batman!” ou “Santa confusão!” e por aí vai) viraram mania entre as crianças. No filme, Batman e Robin ganharam novos veículos além do futurista Batmóvel: bat-moto, bat-lancha e, mais elaborado deles, o bat-cóptero. Tantos truques da engenharia somados aos comentários amalucados das falas.

Ao baixar a lona do circo de Batman, apenas Meredith e Romero prosseguiram com razoável sucesso na carreira. O então ex-Pingüim foi para os ringues fazer o treinador veterano nas quatro fitas de “Rocky, o Lutador” (1976 a 1990). Ainda foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante por sua atuação em “O Dia do Gafanhoto” (1975). Cesar, que serviu de guarda costeira durante Segunda Guerra Mundial (1939-1945), continuou a caminhada em produções latino-americanas (os pais dele eram cubanos). No fim dos anos 1980, participou da novela “A crista do Falcão”, onde teve destaque. Os demais atores da série fizeram filmes fracos ou estiveram em realizações nas quais a figura de Batman ou de Robin estavam relacionadas. Lee Meriwether e Frank Gorshim sumiram da mídia. No Brasil, os episódios chegaram em meados dos anos 1980 no SBT. Depois, no início da década de 1990, a Rede Gazeta os exibiu. Agora, como o seriado não é mais transmitido, estamos em perigo. A paz na Terra está por um triz. Rápido, enviem o bat-sinal à bat-caverna! Santa paciência, Batman!

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 01/06/2009
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