Presente inexistente, futuro inatingível (publicado originalmente em 11/9/2004)

O físico Marcelo Gleiser afirmou certa vez em entrevista que o presente não existe. Apenas o passado e o futuro. Explico: para ele, colocar o estado do “agora” separado, como se quiséssemos pô-lo dentro de uma caixa, é inviável. Marcelo deu exemplo prático: quando nós falamos, notamos que quando acabamos de pronunciar cada palavra estamos no passado. Atingir a flecha certeira no alvo, quer dizer, viver o presente, é impossível, portanto, ele não existe. Sei que é difícil entender a teoria tresloucada de Gleiser, mas de algum modo ele está correto. Tudo que fazemos fica guardado lá para trás. Possuímos recordações de qualquer situação. Neste momento no qual você lê esta coluna faz parte do mais longínquo tempo. Como comentou o escritor Pedro Nava ao ser bastante sabatinado no extinto programa “Vox Populi”, da TV Cultura, “o início da nossa conversa aqui já está na história assim como estão as Guerras Púnicas”. Compreender o planeta apagando o passado é aterrorizante. “Se esquecermos dos fatos de ontem, eles voltam”, dizia o ditado. O futuro está nesse imbróglio.

Os filmes de ficção científica são baseados nisso. Confesso que nunca fui macaco de auditório desse tipo de atração. Sempre tive a opinião de que fitas onde a ciência é a base para uma trama são confusas e atrapalhadas. Na maioria das vezes, o roteiro deixa a desejar e a história fica problemática demais. E outra: contém cenas de virar o estômago, como bichos entrando no corpo, explosões fortes de cérebros, olhos que saltam para fora etc. “Alien” (1979) é dessas películas. Dirigida pelo famoso Ridley Scott, os sets se transformaram, anos mais tarde, em brincadeiras para videogames. Sigourney Weaver estava no elenco e interpretou Ripley, protagonista. É assustador. Prever o futuro e moldar o mundo como se Deus desse a mão aos talentosos – assim trabalha quem elabora enredos de categoria questionável para essas películas. Como será a Terra em 2050? Ou como viverão os habitantes, se é que eles existem, de Marte? Sinceramente, não consigo visualizar o ‘amanhã’. Porém, evidentemente há aquelas exceções. São poucas e raras, é verdade, mas valem pelo esforço estóico dos responsáveis.

“Blade Runner” (1982) encabeça a lista. Escolhido recentemente por uma revista estrangeira o melhor filme de ficção científica do século 20, a produção é de babar. Scott foi o diretor. Estavam no elenco Harrison Ford e Rutger Hauer. As seqüências pareciam desdenhadas. Ledo engano. À frente, em um distante ano futurista, existirão somente duas classificações de seres humanos: os replicantes (homens ou mulheres criados geneticamente e que aspiram dominar o mundo) e os caçadores desses andróides da biologia. Ford vive Rick Deckard, membro da “polícia secreta”, onde prender replicante é dever patriótico. Ah, esqueci de mencionar: a história se passa nos Estados Unidos. Na metade do roteiro, Rick se vê apaixonado por uma mulher-andróide. Não é Daryl Hannah, a loira de olhos azuis intencionada a liquidar o detetive. Hauer é Roy Batty, espécie de líder dos não-humanos, o vilão. Ele, junto com Daryl e capangas, quer a solução para a curta vida desses monstros, que não sobrevivem por mais de três ou quatro anos. Para tanto, passa por cima de quem quer que seja. Alerta vermelho.

“Matrix” (1999) revolucionou os efeitos especiais do cinema. Os irmãos Wachowsky, Andy e Larry, unidos a demais profissionais, criaram a nova era do planeta, a de Matrix. Esse cotidiano ruim e monótono onde respiramos é envolvido por falsidades, mentiras, tudo lá é o nada. Keanu Reeves e Laurence Fishburne compõem esse castelo de cartas pronto a desmoronar. Keanu, nascido no Líbano, faz Neo, hacker dos computadores capturado pela população do mundo real (Matrix). Consideram o personagem de Reeves o “escolhido” e querem prepará-lo e ensiná-lo a viver e ter as características especiais dos revolucionários. Fishburne é Morfeu, número um de Matrix. As cenas nas quais há luta rendem muito. Feitas quase 100% em computador, os efeitos espantaram. Aquela onde Neo desvia de tiros, movendo-se para os lados, para frente e atrás, como se fosse de elástico, é impressionante. Em 2003, duas continuações foram lançadas: “Matrix Revolutions” / “Matrix Reloaded”. Agradaram uns, decepcionaram outros. Prosseguiram os efeitos mirabolantes e mágicos. O futuro seria quando agora?

“Guerra nas Estrelas” (1977, 1980, 1983, 1999, 2002 e 2005) foi feito de trás para frente, igual a “Amnésia” (2000), mas não tanto. A montagem ao contrário se deveu à história dirigida por George Lucas começar não apresentando os personagens (de onde vieram, como foi a infância etc). Os três primeiros, editados nas décadas de 1970 e 1980, com Harrison Ford (Han Solo), Mark Hamill (Luke Skywalker), David Prowse (Darth Vader) e James Earl Jones (voz de Vader), entupiram os cinemas de gente, tamanho foi o sucesso. Em 1999, decidiu-se reescrever a trajetória de Luke. Denominado de “Episódio I”, a fita chamou a atenção pelo estilo emocionado. Ano retrasado entrou em cartaz o “Episódio II” e para 2005 está previsto o terceiro. Como tudo iniciou é o lema. Guerrear e levitar nas profundezas do espaço, onde Darth Vader, com sua capa preta e capacete da mesma cor, predomina e sua voz, como se tivesse saído do rádio, transmite medo e simultaneamente ressentimento. Pai e filho duelando num lugar bem longe daqui. Robôs e máquinas tomam conta do território e a nave lota.

“2001 – Uma Odisséia no Espaço” (1968) não poderia faltar. Stanley Kubrick, na época com 40 anos, trabalhou em cima do romance de Arthur C. Klark. O único Oscar recebido pelo diretor veio daí, através dos efeitos especiais. Kubrick, morto em 1999, além de fama com filmes como “Laranja Mecânica” (1971) e o interminável “Spartacus” (1960), respirou ares satisfatórios com “2001” sem dúvida. A impecável trilha sonora, o elenco ajeitado e a inspiração confiável fizeram da película a segunda colocada naquela eleição citada anteriormente da revista estrangeira. A surpresa da vice-posição talvez esteja nos atores e atrizes. “Blade Runner” fez Harrison explodir mundialmente ao lado de Hauer. “2001” não revelou astros à mídia. Devem haver mais explicações. Comparar Scott e Kubrick faz sentido. Com “Alien”, Ridley estudou o suspense prolongado e “Blade Runner” virou cult nas mãos dele. Stanley se tornou mito. A ficção científica, seja como for, modificou os modos de pensar, atingir o futuro. Se preparar para o pior ou para o melhor. O passado fica encostado, isolado.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 31/05/2009
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