Chutes e cabeçadas cinematográficas (publicado originalmente em 1/9/2004)

Momentos inesquecíveis dos campos de futebol cansaram de aparecer em produções brasileiras e internacionais. Leônidas da Silva, ídolo do Brasil nas décadas de 1930 e 1940, foi pioneiro nos sets de filmagem nacionais. Há aproximadamente 70 anos, rodou curta-metragem onde ensinava outros atletas a executar com maestria a bicicleta. Esta fita é conhecida por todos os lados. Aumentou o grau de repercussão após a morte do ex-craque de São Paulo e Flamengo, meses atrás. De lá para cá, não foram poucas as vezes que a bola e o gol figuraram entre os protagonistas nas telonas. As imagens da Copa do Mundo de 1950, disputada no Brasil, ficaram eternizadas em película. O Maracanã, lotado (cerca de 200 mil pessoas), observou a campanha sensacional do time treinado por Flávio Costa até a final contra os uruguaios. O resultado é mais que conhecido: vitória dos nossos vizinhos, de virada, por dois a um. A equipe, cujo artilheiro foi Ademir de Menezes, o “queixada”, criou o vilão Barbosa, goleiro carioca titular do Brasil e “responsável” pela derrota vergonhosa. O futebol tem esse poder.

Mazzaropi recuperou o ânimo dos corinthianos nos anos 1960 ao elaborar o roteiro do filme “O Corintiano”, de 1966. Nesta época, a fama do caipira já havia se espalhado pelo país e ele podia fazer o que desejasse. Criou um personagem fanático pelo clube alvinegro: o barbeiro. Inventou diversas piadas e os fãs de Rivelino e companhia tiveram alívios durante certo tempo, pois não conquistavam títulos desde 1954 (ficariam assim até 1977). Mas nada se comparou aos compactos bem preparados do “Canal 100”. Idealizado por Carlos Niemeyer, este programa ficou marcado como o exemplo bem sucedido de transmissão de futebol. Exibido sempre antes dos filmes principais nos cinemas, como espécie de trailer, estas mini-atrações (duravam poucos minutos) compunham o ambiente das salas cinematográficas tupiniquins. Narrados por Cid Moreira, os jogos viravam verdadeiros espetáculos da mais alta elegância, com tomadas de perto, onde de podiam ver apenas os pés dos atletas e a bola. Recentemente, a extinta TV Manchete reprisou parte do acervo na sua programação. Vibrações reais.

O diretor Ugo Giorgetti trabalhou com essas antigas lembranças quando as transportou para seu “Boleiros – Era uma vez o Futebol” (1998). Com elenco de classe (Otávio Augusto, Lima Duarte, André Abujamra), a fita resgata nas nossas memórias o “antigamente”, onde várzea estava acima de tudo. Compras de árbitros, roubos nas partidas, discussões entre torcedores, entre muitos quesitos, são abordados na película. A cidade de São Paulo vira centro futebolístico nas mãos de Giorgetti. O próprio Niemeyer, além do supra-sumo do “Canal 100”, produziu outros rolos de fita sobre o esporte mais aclamado da Terra: “Brasil Bom de Bola” (1970) e “Isto é Pelé” (1975). Em 2004, a bola voltou a aparecer nos ecrãs com a cine-biografia do Atleta do Século em “Pelé Eterno”, de Aníbal Massaini. Há ainda a fita sobre Garrincha, interpretado por André Vasconcelos, onde os tropeços do Anjo das Pernas tortas são mostrados a esmo. E não pára por aí. Para janeiro de 2005, está prevista a estréia de uma comédia sobre futebol. Desta vez, o enredo misturará cenas engraçadas com toques românticos.

Trata-se de “Romeu e Julieta”. Este nome sugestivo é apenas aperitivo para o que propõe este filme. Luís Gustavo, Luana Piovani e Marco Ricca compõem a base da história. Ricca, palmeirense de coração, vive um corinthiano desesperado por seu time. A família inteira dele morre pela equipe do Parque São Jorge. Mas ele se apaixona por Luana, cuja personagem ama futebol e o Palmeiras. Os parentes, inimigos por parte de time, não podem ouvir falar do outro. A confusão se instala e gera as mais cômicas cenas, por exemplo, a de Marco cantando, na frente do pai de Piovani (Luís Gustavo), o hino do alviverde e, ao encerrar, o corinthiano desmaia de frustração. No laboratório que antecedeu as filmagens, a atriz aprendeu alguns pontos básicos do futebol: treinou chutes, passes, cabeçadas e dribles. Com certeza, ela pode não ter se aprimorado tanto em tão poucos meses, mas os marmanjos que a assistirem no cinema nem se importarão com esses pequenos detalhes. E, como ela afirmou em entrevista, a fita não é trágica como o texto de Willian Shakespeare, pois o casal acaba junto e feliz.

Porém, o futebol tem sido um grande tapa-buraco nas jogadas criminosas de alguns dirigentes esportivos. Como o Brasil ganhou o último mundial, novamente os problemas escorregaram e caíram debaixo dos tapetes sujos. Milhares de jogadores vão embora do país em busca de bons calendários, salário em dia e condições de estádios razoáveis. Neste baile de dólares com cifras absurdas, é claro, os membros do terceiro mundo saem perdendo. E muito. A Europa é o caminho mais fácil (quando a Arábia não invade também com valores gigantescos) para se fazer pé-de-meia. A conseqüência disso é visível nos campos brasileiros vazios, times sem craques, baderna na organização de campeonatos e transações de atletas feitas por baixo do pano da boa conduta. Projetar trazer para cá qualquer edição de Copa do Mundo é beirar o delírio provocador. Não existem condições para tal evento. Estádios, com exceção ao do Atlético Paranaense (Arena da Baixada), caem aos pedaços. O dinheiro... Nem é necessário relatar aqui, vide as dívidas milionárias de clubes grandes como Flamengo e Corinthians.

Filmes são arte e mesmo aqueles que têm como mote principal algum esporte, seja ele o futebol ou basquete, vôlei, remo, natação etc são pura ficção. Sonhar com dias melhores não é pecado, mas abusar disso é ruim. Manejar os espectadores como se nós fossemos marionetes já passou. Agora, os enganados se definharam e viraram questionadores capazes de adivinhar pensamentos. No século 21, temos de aprender a dançar conforme a música do Velho Continente, se não quisermos, de camarote, ver garotos de 14, 15, 16 anos serem levados à Inglaterra, Itália ou Espanha para terem casa, comida e roupa lavada e pertencerem a empresários desonestos. De grão em grão, o torcedor contribuirá para que fatos lamentáveis, como mortes de gente que foi ao estádio gritar por seu time e terminou dentro de um caixão, não ocorra mais. Dessa maneira, o futebol verde-amarelo ficará como em “Nós que aqui Estamos por Vocês Esperamos” (1999), na cena maravilhosa onde os passos de Fred Astaire e de Garrincha se fundem em edição musicada pelo ritmo do samba genuíno. “Que bonito é...!”

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 31/05/2009
Código do texto: T1624001
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.