Expressionismos e expansionismos germânicos (publicado originalmente em 14/8/2004)

O cinema alemão sempre chamou minha atenção. As cenas geladas, carregadas de introspecção e tensão, na maioria das vezes assustadoras, têm características pensantes. Os atores marcantes, onde a qualidade da interpretação é levada muito a sério, fizeram mitos no século passado. O maior deles é Marlene Dietrich. Revelada em “O Anjo Azul” (1930), montou sua escada profissional baseada só no antinazismo. Quando despontou à fama internacional na década de 1930, auge do governo ditatorial de Adolf Hitler, este lhe ofereceu cachês milionários para a atriz estar em filmes nacionalistas demais e autopublicitários. Com a recusa de Marlene, o líder austríaco não se fez de rogado e simplesmente baniu suas fitas do país. No período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ela percorreu campos de batalha e cantou para tropas americanas. A lenda peremptória continuava e algumas mentiras ao redor dela se formavam. Morreu em 1992 aos 91 anos, solitária, rica, venerada e famosa, em Paris.

Tremor – Mas a Alemanha teve também “Nosferatu” (1922) e “O Gabinete do Doutor Caligari” (1919). Este último é considerado o marco daquele expressionismo, escola de vanguarda construída antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Esta arte já havia atingido a arquitetura, música e a pintura da Alemanha e somente depois do conflito bélico, que acabou em 1918, abriu as portas das telonas dos cinemas. Sendo um movimento anti-realista por excelência, era o adequado àquela época derrotista, desesperadora e agitadora. “O Gabinete do Doutor Caligari” transfere à mágica confusa e hesitante toda para a história. Com movimentos desequilibrados e estranhos à primeira vista, a película mostra como estava a situação germânica conseqüente do desastre da assinatura do Tratado de Versalhes. Já “Nosferatu” cravou unhas no tenro terror. O filme, mudo, ficou eternizado como a gestação clássica dos roteiros de horror. Os momentos de susto, o enredo bem elaborado e alinhado, fizeram sucesso.

Ele – “O Anjo Azul” (película falada número um alemã) contribuiu de alguma forma para que Fritz Lang, ídolo significativo do país e um dos diretores mais talentosos da sétima arte, armasse a própria indústria cinematográfica. Ex-combatente da Primeira Guerra, utilizou em suas tramas psicológicas o perigo dos criminosos e psicopatas, incluindo aí as mentes delirantes e perturbadas deles. Concluiu isso bem em “Die Spinnen” (1919, onde recebeu elogio farto) e “Doutor Mabuse, o Jogador” (1922). Porém, foi em “M – O Vampiro de Düsseldorf” (1931), que aconteceu a virada estratégica da carreira de Fritz. A história do maníaco matador de criancinhas inocentes, com o feioso ator húngaro Peter Lorre no papel principal, estourou sua fama e o levou para Hollywood. Thea von Harbou, sua esposa, preferiu fincar raízes na Alemanha e ficou por lá, enquanto ele viajou para os Estados Unidos. Fixou residência e sofreu com produtoras norte-americanas, que insistiam em alterar sua longa criatividade.

Par – O diretor fez diversos trabalhos que o tornaram mestre do cinema noir, onde valem a escuridão, baforadas de cigarro e enredos misteriosos. “Dirigir para o cérebro sem se esquecer do estômago” era o lema de Fritz Lang. Com certeza, suas gravatas borboletas e suas sobrancelhas desajeitadas sabem disso. Nos anos 1950 e 1960, todos estes precursores das fitas alemãs estavam bastante experientes e, por isso, seus trabalhos possuíam qualidades excepcionais. Marlene Dietrich e Lang se juntaram para fazer “O Diabo Feito Mulher” (1951), por exemplo. Ernst Lubitsch reinou absoluto também. Diretor de películas famosas, como “A Viúva Alegre” (1934), e parcerias inesquecíveis (esteve com Greta Garbo em Ninotchka, de 1939), ele não pôde se consagrar e desfrutar das glórias dos seus colegas de nacionalidade, pois sucessivos ataques do coração o mataram aos 55 anos, em 1947. Isso não ocorreu com Leni Riefenstahl, documentarista citada aqui em fevereiro. Ela sofreu covardes perseguições.

Respiração – Lado a lado de Hitler, Leni colaborou com imagens sinceras para o regime nazista. “Triunfo da Vontade” (1935), registro grandioso de comício do Partido Nazista em Nuremberg, foi encomendado pelo chefe dos arianos. Sua morte em 2003, centenária, não encobriu sua tristeza de ser comparada ao nazismo todas as vezes que aparecia na mídia. As fotos dela na cobertura jornalística da Olimpíada de 1972, sediados na cidade de Munique, se destacaram na imprensa. No Estado germânico do pós-guerra, principalmente nas décadas de 1970 e 1980, e com o advento da Guerra Fria, reforçada com o Muro de Berlim, as filmagens decaíram demais. Parecia que aqueles novos profissionais das telonas procuravam e cavavam a identidade a qual eles jamais teriam de volta. O buraco fundo se abriu de maneira interminável, e as fitas não rendiam tanto quanto há 15, 20 anos. Estes diamantes novatos precisavam brincar mais com o passado obscuro ou resgatar fatos que rastrearam o povo maltratado.

Cores – Fizeram as duas coisas. Em 1989, Peter Cohen reuniu imagens de Hitler, exposições de artes do período da ditadura, alguns filmetes comerciais preconceituosos feitos pela propaganda nazista e lançou o documentário “Arquitetura da Destruição”. É puramente épico. Exibe todo o glamour e o exagero inigualável da compra de quadros por parte de Adolf; seu repudio a Albert Einstein, queima de seus livros científicos etc. No quesito “vamos rir de nós mesmos”, Helmut Dietl, mais um diretor germânico, fez piada com a notícia dos diários falsos de Hitler, explorados à exaustão pela imprensa no início dos anos 1980.

Truques baratos – O filme “Irresistíveis Falsários” (1993) agradou à crítica e foi indicado aos prêmios do Globo de Ouro e Oscar como melhor película estrangeira. Munidos da impagável dupla de atores Götz George e Uwe Ochsenknecht, a fita tem o jornalista trapalhão Hermann Williè (com acento no ‘e’, como diz o repórter, feito por George) como escudo central envolvido numa farsa. Hermann, fã nostálgico do nazismo, crê fielmente no professor Fritz Knobel, na verdade um falsário de marca maior (Uwe), que inventa diários de Hitler. Williè cai direitinho nesta enganação e leva com ele todo o jornal onde trabalha. Com esse ‘furo’, tem a possibilidade de reerguer a carreira, até então desacreditada, de três décadas. Assim, as pessoas conheceriam as intimidades do ditador.

O cinema alemão ressurgia no pedestal merecido. Através do riso, retornavam ao seu devido lugar. Conforme diz a medicina, o poder da cura pelo riso se comprovou na terra séria germânica.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 29/05/2009
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