Nada demais (publicado originalmente em 23/6/2004)

O passo número um da produção de qualquer filme, antes mesmo de escolher locações, analisar gastos e escalar atores, é apontar quem será o diretor do longa-metragem. Estas figuras, sentadas nas cadeiras com nomes inscritos, levam geralmente a responsabilidade pelo alarde causado, seja devido a repercussões boas ou más. No século do cinema, onde graças a ele os Estados Unidos conseguiram acampar sua majestade e não mais sair do pedestal de potência mundial, uma lista grandiosa desses profissionais dos gestos detalhados, atuações plausíveis e conquistas adoradoras errou a mão algumas vezes. Aqueles projetos paparicados pela crítica e aguardado por pessoas com expectativa alta e que resultaram em bilheteria ínfima e comentários exangues são os da decepção. E não adianta negar a paternidade desses filhotes, pois a característica da direção daqueles que abrem a boca não deixa por menos: é implacável. Está impregnada como cheiro de cigarro nas roupas dos fumantes. Indiscutível.

Começarei por Francis Ford Coppola. Seu “Cotton Club” (1984) gerou maus estares em todos os seus fãs. Para compor o corpo da fita, convocou seu sobrinho, o ator Nicolas Cage (então com 20 anos), e Richard Gere (que ainda não tinha conquistado a linda mulher). A história dos gângsteres em uma cidade norte-americana resultou em gigante escarnecimento. Gere interpretou um trompetista de amores lisonjeiros. Estava com bigode ralo, sinceramente histriônico. Cage, na película seu irmão, é quem se envolve nas mamatas dos ladrões da década de 1920, época onde se passa o enredo. Mas há algo de interessante no filme: a “presença” de dois astros cinematográficos que freqüentavam cabarés e mexiam com admiradores, que os rodeavam. Trata-se de Gloria Swanson, atriz polêmica de vários casamentos (no “Cotton Club” girava nos 30 anos), e James Cagney, um ser atarracado e feio, mas de sucesso comprovado por diversos e bons filmes, como, por exemplo, “O Inimigo Público” (1931).

Steven Spielberg também já derrapou na pista. O carregador de brilhos como “Tubarão” (1975) e “O Parque dos Dinossauros” (1993) pegou “Hook – A Volta do Capitão Gancho” (1991) e deve ter se arrependido até a alma. Não por abrigar a fábula mágica de Peter Pan e todos seus apetrechos. Sim porque concluiu-se num desastroso conjunto entre técnica de efeitos especiais e atores despreparados. Pode ser comparado com a aventura maluca de Robin Williams ao aceitar fazer o papel-título da fita “Popeye” (1980). Fica sempre esse impasse quando se transpõem desenhos animados para as salas de cinema. Robin contava 28 anos de idade e a película do marinheiro e seu cachimbo foi praticamente o primeiro trabalho dele na telona. Dublador de mão cheia, como demonstrou em “Uma Babá Quase Perfeita” (1993), o ator fatigou-se com o filme do namorado da Olívia Palito. Depois disso, fez vozes para “Aladdin” (1992) e seguiu até ganhar Oscar como coadjuvante por “Gênio Indomável” (1997).

Charles Chaplin e James Cameron são outros que possuem nos respectivos currículos algumas maracutaias. O primeiro, consagrado demais por perfeições como “Tempos Modernos” (1936) e “O Grande Ditador” (1940), conheceu o vazio em “A Condessa de Hong Kong” (1966, cuja foto da noite de estréia foi publicada nesta coluna em janeiro). Sophia Loren e Marlon Brando participaram desta amolante história. O segundo, galardoado com prêmios principalmente por “Titanic” (1997), esteve na berlinda ao assumir “Piranha II – Assassinas Voadoras” (1981). A acrimônia foi inquestionável. É daqueles chamados “trash”. Diretores, na maioria, começam assim, dirigindo roteiros péssimos como este. Mas caminhou na mesma trilha e pisou em ovos na ficção científica “Aliens, o Resgate” (1986). Cenas nojentas e cheias de meleca desencantaram os espectadores. Ao declarar “Sou o rei do mundo” na cerimônia de entrega do Oscar de 1998, fechou os olhos para seus antiméritos de antigamente.

Roberto Benigni, protagonista e diretor do louvado “A Vida é Bela” (1998), escorregou feio ao montar “Pinóquio” (2002). Ao querer exibir para platéias a trajetória do garoto de madeira com seu “pai” Gepeto, foi conflagrado por todos. Inspirou artigos sórdidos e o filme generalizou bem o mau-gosto. Benigni fez o menino que tinha o nariz aumentado cada vez que pronunciava mentiras. A fita toda foi deveras balela. Destarte, por muito pouco não arruinou a própria carreira. Mas foi raspando. Concorreu à Framboesa de Ouro, eleição cômica realizada nos Estados Unidos para eleger os piores filmes do ano. Claro, ganhou. Nesses pleitos irônicos, artistas consagrados, como Madonna, Demmi Moore e Jennifer Lopez tiveram “honra” de ficarem na primeira colocação entre os mais estragados. O frívolo Woody Allen figura entre os que também têm de se exculpar por se sujeitar a, entre outros, “Um Misterioso Assassinato em Manhattan” (1993) e “Tiros na Broadway” (1994).

“Trama Macabra” (1976) e “Frenesi” (1972), as duas exauridas películas de Alfred Hitchcock, não foram lá tão prestigiadas. Talvez pelo excesso de anos do diretor (estava com 77 e 73 quando fez a dupla citada, concernentemente), os aplausos diminuíram. Considerado o mais injustiçado artista no Oscar em todos os tempos, sir Hitchcock ainda tentou começar novo planejamento, mas sua vida lhe foi tirada antes do término (o título seria “A Noite Curta”, de 1980 – o falecimento dele ocorreu em 29 de abril do mesmo ano).

Continuando, Robert Altman presenciou peças pregadas. Famoso por clássicos como “M.A.S.H.” (1970) e “O Jogador” (1992), teve êxito zero ao rodar nos sets de filmagem histórias de cunho comercial duradouro. Roger Corman, hoje aos 76 anos, ficou cara a cara com o insucesso nos difíceis meses verdes da carreira. Durante a década de 1960, adaptou contos do escritor Edgar Allan Poe, entre eles “O Terror” (1960), cujo mote central era confuso demais e aturdiu o público em geral.

Tenho impressão que não existem condutores cognoscíveis os quais em oportunidades plenas caem no buraco da patifaria sem-vergonha e se “prostituem” (expressão usada para aqueles que se vendem em troca de barganha qualquer, como a brasileira nipônica Tizuka Yamazaki, que, depois de flertar com filmes satisfatórios, deslizou para enredos da Xuxa).

É... Nada demais para todos eles, porém.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 21/05/2009
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