Máquinas de escrever (publicado originalmente em 19/6/2004)

É consideravelmente lugar-comum assuntar sobre o caos vigente do jornalismo chamado de moderno. Principalmente nesses dias caóticos do século 21, onde informação em tempo real é agitada demais para leitores pouco acostumados com tamanha rapidez, ninguém sabe de tudo de uma vez só. Sempre há atualidades para serem exploradas ou temas difíceis de discutir. Os jornais entram nesse rol de atrações. A crise que atravessa a imprensa brasileira (e mundial), está declarada aos ventos. Nos Estados Unidos, “maior terreno de veracidade”, dois profissionais da escrita perturbaram Gutenberg no túmulo. Um deles, pago pelo sólido The New York Times, revelou, de calças arriadas, criações de reportagens. Essas invenções saracoteantes custaram ao confiável periódico retratações dignas dos castigos do tipo ajoelhar no milho. Milhos sujos, diga-se de passagem. O cinema, esperto como ele só, já aproveita essa imagem robusta não é de hoje. São esquetes, esses sim, verossímeis.

O quente ainda é “Todos os Homens do Presidente” (1976). Com Dustin Hoffman (próximo de completar 40 anos na época, e de cabelos nos ombros), este filme descortina todo o escândalo do ex-presidente Richard Nixon, o Waltergate, furado pelo diário The Washington Post. Tudo se inicia ao serem flagrados cinco homens com luvas cirúrgicas no prédio-título do qüiproquó. Estas figuras eram do Partido Republicano (de Nixon) e queriam descobrir segredos da agremiação rival, os democratas, no Comitê Nacional do PD. Deste ponto em diante, o mandato de Richard começava a ruir. Até então um veículo médio, o TWP explode em vendagem e faz terremoto fatal na Casa Branca. Repórteres da editoria cidades, Bob Woodward e Carl Bernstein são protagonistas do caso e carrascos da renúncia do presidente. A fita agrada no aspecto de espelhar a babélica trajetória dos porões da White House. E quem seria “Garganta Profunda”, fonte das denúncias que culminaram a saída de Nixon? Óbices.

O “tac, tac, tac” das máquinas de escrever são fragores nesse tipo de película. É gostoso ficar de ouvido atento e apreciar estes sons. Isso ocorre magistralmente em “Cidadão Kane” (1941). Tido como o “melhor filme de todos os tempos” pelos ângulos de câmera, imagens expressionistas e uso inovador de edição e som, a obra-prima de Orson Welles retrata a caminhada de um famoso magnata das comunicações, Charles Forster Kane (interpretado por Welles), desde a infância. Os desgostos da vida de quem tinha de bandeja os sonhos de qualquer garoto, o “Rosebud” tão decifrado do dono de jornais sensacionalistas, que se viu amargurado e falido, dão o tom célebre do longa-metragem. Kane concorreu a Oscars de filme, ator e diretor (os dois últimos com Orson) e não recebeu estatuetas. São essas injustiças que fazem acalorar polêmicas. Welles ficou de mãos vazias ao elaborar, como escrevi antes, “o melhor filme de todos os tempos”. Charles Forster, acima de tudo, morreu envergonhado.

Quase 60 anos depois das melindragens do triunfante da década de 1940, os bastidores de um programa de entrevistas famoso nos EUA, 60 Minutes, foi colocado no ar nas telonas. Trata-se de “O Informante” (1999), com os atores Al Pacino (no papel do produtor do 60) e Russel Crowe (como ex-especialista químico de uma empresa de tabaco). O labirinto da fita é marcado numa denúncia do químico. Ele sugere que a empresa de cigarro põe quantidade a mais de determinada substância para viciar rapidamente consumidores. O processo de convencimento do produtor para que o personagem de Crowe vá para a televisão e jogue tudo no ventilador é avassalador. Neste ponto a película é dona de si. O ex-empregado sofre ameaças, como também sua esposa e filhos. Aí (igual aos homens do presidente) novamente a fonte sofre manobras: tanto da emissora quanto do grupo das tabacarias, que lhe oferece dólares para fazê-lo fechar o bico. Lições de como lidar com informações periclitantes.

Indo agora para os documentários, em 1992 a BBC de Londres montou a história do fundador da Rede Globo, Roberto Marinho. Mas não foi nada leve com ele. “Muito Além do Cidadão Kane” é a antítese das propagandas infladas da tv carioca sobre boas maneiras. Com declarações, entre outras, de Leonel Brizola (“Ele é o Stalin da comunicação. Se alguém discorda dele vai para a Sibéria!”), a fita é proibida de ser exibida no Brasil por razões (para a Globo) óbvias. São desmistificados quatro casos de manipulação nua e crua da alta cúpula da “Vênus Platinada”: a greve do ABC de São Paulo, cujo líder era o trabalhador Luís Inácio da Silva, em 1979; eleições do governo fluminense, quando pífias pesquisas foram alteradas a pedido da Globo, em 1982; cobertura das “Diretas Já”, nos meses primeiros de 1984; e a edição do Jornal Nacional dando tapete vermelho (sem trocadilhos, por favor) para Fernando Collor passar, no derradeiro debate para a disputa presidencial, em dezembro de 1989.

Regressando bastante no tempo e freando no ano de 1951, “A Montanha dos Sete Abutres” se destaca como roteiro baseado em jornalismo. A década sucessora a do filme seria conhecida como a que implantou o new journalism, método de reportagem utilizado até hoje. Portanto, rever esta fita de mais de meio século atrás é sempre atrativo. Kirk Douglas (hoje com 88 anos e pai do sexagenário Michael Douglas, de “Instinto Selvagem” – 1992) é um jornalista daqueles desejosos de fazer fatos frugais virarem eventos mundiais. Em franca decadência profissional, Douglas mexe em um acidente onde a vítima está presa no interior de determinado buraco, localizado na tal montanha. A esposa do acidentado também aproveita a situação. O repórter demora, de propósito, a chamar ajuda para atrair curiosos e tentar retornar ao seu local de trabalho, demitido antes deste fatídico dia. Boa direção, boa edição e categóricas interpretações. Mesmo em preto-e-branco, refresca idéias e as colore secamente.

Para quem é do lado mais adocicado, “Nos Bastidores da Notícia” (1987) pode ser boa pedida. Willian Hurt e Holly Hunter estão no elenco desse encontro de dois “gutemberguianos” pertencentes a uma emissora de televisão que se apaixonam. O enredo esteve entre os mais votados da Academia para o Oscar em ator, atriz e filme. Teve êxito em nenhuma. Pena para os muitos melosos de plantão, como, por exemplo, Clark Kent e Lois Lane, a dupla platônica do Planeta Diário nos quatro filmes “Superman” (1978, 1980, 1983 e 1987).

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 21/05/2009
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