O fugitivo e seus filmes talentosos (publicado originalmente em 2/6/2004)

Se algum dia, nesses acasos da vida, ele resolver botar os dois pés nos Estados Unidos, estará preso imediatamente. Verá o sol nascer quadrado. Para Roman Polanski até que seria uma boa, pois poderia treinar ângulos para seus filmes. O diretor, nascido na Polônia e acusado de estupro no fim da década de 1970, é considerado fugitivo pela polícia dos Estados Unidos (o estigma aconteceu na casa do ator e amigo fiel Jack Nicholson). A vítima: uma menina de 13 anos. Essa história polêmica, porém, não é rara na biografia de Roman. O responsável por sucessos como “O Bebê de Rosemary” (1968) e “Chinatown” (1974) assistiu à retirada dos pais do gueto de Cracóvia para os campos de concentração (a mãe, por exemplo, morreu nos territórios assustadores de Auchwitz). Aos 71 anos, ostenta a honra de ter conseguido fugir daquele inferno, apesar de ser ferido por soldados nazistas.

Vagou até os Estados Unidos e começou uma vitoriosa carreira no cinema nos anos 1960. Não contava com mais uma trapaça desleal do frio destino. Em 1969, a esposa Sharon Tate, grávida, foi assassinada pela família Manson, famosa naquela época por liderar uma seita macabra. O trágico fato pregado à força por pouco não interrompeu a carreira que se deslancharia tempos depois. Aí, quando todos pensavam reinar o sossego e a paz, vem o estupro. E a fuga. Atualmente radicado na capital da França, Polanski jungiu estouros de bilheteria e fracassos indeléveis. Indicado três vezes ao Oscar de melhor diretor, consagrou-se em 2002 ao receber o prêmio por “O Pianista”. Teve derrotas em 1980, com “Tess” (ganhou Robert Redford por “Gente como a Gente”) e 1974, com o citado “Chinatown” (Francis Ford Coppola levou a estatueta pela segunda parte de “O Poderoso Chefão”). Nada demais.

Além dessas aventuras, tem o mérito de retirar do âmago as melhores atuações de Mia Farrow e Catherine Deneuve, respectivamente pelo aterrorizante “O Bebê de Rosemary” e “Repulsa ao Sexo” (1965). Sentimentos como obsessão, medo, ódio e vingança são corriqueiros nas fitas desse senhor de codinome “Absurdo Irônico”. Dois de seus principais brilhos, contudo, não foram galardoados pela nem sempre correta Academia: “Chinatown” e “O Bebê de Rosemary”. Referi-me ao segundo numa coluna de fevereiro dedicada exclusivamente às películas de horror. Sobre o primeiro, o enredo não é tão simples assim. Demorou para os espectadores perceberem certas nuances da história, sobretudo o enigmático e mítico detetive J. J. Gittes, vivido por Jack Nicholson. O filme ganhou status de cult e, claro, deslocou-se para a categoria noir das telonas. A atriz Faye Dunaway fez par com Jack na fita.

Os bastidores, ao contrário desses fogos de artifício, não contaram com muitas alegrias. Quem causou isso foi precisamente Faye. Ela e Roman Polanski possuíam temperamentos completamente opostos: enquanto o diretor desejava apertar o pé no acelerador nas filmagens, a protagonista preferia aperfeiçoar a maquiagem e treinar mais suas falas. Polanski arrancava cabelos por isso. “Faye estava tão pouco segura de si própria que sempre que eu eliminava a mais insignificante das suas réplicas para melhorar uma seqüência, ela encarava como afronta e acusava-me de mutilar seu personagem”, escreveu o polonês em “Roman”, autobiografia lançada em 1984. Um clima desconcertante gerou-se entre ela e todos nos sets de filmagem. O comportamento “estrela” da atriz acabou indicado ao troféu mais cobiçado da sétima arte, mas não chegou na dianteira nesta corrida. Não a apreciaram tanto.

Ficou sem falar com Roman durante longo período. Com Nicholson, era mais palpável. Ambos tinham características bem semelhantes. “Jack gosta dos prazeres da vida. Mas apresenta-se ao palco sabendo todo seu texto e os dos outros. É um ator tão excepcional que o pior diálogo de Hollywood fica brilhante quando é ele quem diz”, comentou Polanski. “Chinatown” concorreu a 11 Oscars. Teve sorte na categoria “roteiro original”, com Robert Towe. Ademais, a única recompensa da Academia não atrapalhou a entrada de milhares de ingressos no mundo inteiro. Somente na França, o público passou de 1,5 milhão. “Encarei este projeto como um filme dos anos 1930 perspectivado por câmeras dos anos 1970”, relatou nas memórias. Guardou nos bolsos críticas lisonjeiras pela autenticidade de certas cenas e hábil acompanhamento musical. As confusões do elenco ficaram debaixo dos tapetes.

Ao findar o escalafobético “Chinatown”, Roman prossegui a dupla com Nicholson. Trabalhou em cima de “Piratas” (1985). Este filme narrava desgostos de um pirata feroz e brutal. Previsto para o ator interpretar o bandido de tampão no olho e o próprio diretor encarnaria o “braço direito” do pirata malvado. Mas a produção custava caro e isso assustou a produtora. Finalmente, a fita se concretizou apenas em 1985, com Walter Matthau e Chris Campion nos papéis centrais. Deu deveras numa mera contrição. Atualmente, dedica-se como um mouro a “Oliver Twist”, previsto para estrear em 2005. O ator Roman Polanski esteve presente em 32 filmes entre 1953 e 2002, sendo “Zemsta” o derradeiro. Não é daqueles que ligam um trabalho ao outro ou faz fitas anualmente. Longe disso. Descansa dois, três e até quatro anos até arranjar algo empolgante, como ocorreu em 1992, com “Lua de Fel”.

Desde 1988, quando rodou “Frantic”, respirava ares praianos e cheirava o aroma doce de Paris. Recusava-se a retornar aos estúdios por não encontrar boas idéias no mercado cinematográfico. Neste instante surgiu “Lua de Fel”, escrito por ele mesmo, comentado aqui 14 dias atrás. A lâmpada piscou sobre sua cabeça iluminada e o polonês segurou, somando-se às árduas tarefas, a produção. Uma rara curiosidade é que a quantidade de enredos onde atuou (32) é maior se comparada ao número de vezes que sentou à cadeira de diretor (28). Inclui-se nesta listagem 27 adaptações de obras, entre as quais “Macbeth” (1971) e oito produções, a última em “O Pianista”.

Enfim, é Roman Polanski. Uma entremez real, sincopada e perigosa a cada palavra dita.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 20/05/2009
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