“Minha vida é um desperdício” (publicado originalmente em 29/5/2004)

Discuti neste espaço filmes cujo mote principal é “sexo”. Entre eles, pus um olhar analítico em “A Primeira Noite de um Homem” (1967), que projetou o ator Dustin Hoffman para a fama. Agora discorrei mais sobre esta obra ao mesmo tempo bem-humorada e com ares de “fugi de mim mesmo” do diretor Mike Nichols. A década de 1960 marcou a época onde borbulhavam tons de erotismo e sentimento salaz. Ocorreu a queima dos sutiãs, estourou como pipocas o mito Marilyn Monroe e seu canto de “Happy birthday to you” ao ex-presidente John Kennedy, a ascensão da musa Vera Fischer no território nacional e fora dele (consagrou-se Miss Brasil em 1969, aos 17 anos) etc... O mundo, de repente, pareceu despertar por mero beliscão para essas, digamos assim, libertinagens. A película de Nichols refere-se a isso também, sob ótica do jovem recém-formado. Este adolescente quase adulto ainda não sabe manusear bem tudo o que o mundo lhe deu. Está confuso.

Na casa dos pais desfruta do bom e do melhor: piscina, carro cheirando novo e conversível, até objetos banais, como seus ternos, e todo conforto para uma família de posses. Esse é o retrato três por quatro das casas americanas naquele tempo (atualmente isso mudou devido a alta neurose provocada pelo terrorismo). Mas Hoffman, estudante apático (estava com 30 anos quando filmou o personagem Benjamin, de 21), tem vaga noção do que seja o amor e paixão, por ser demasiadamente tímido e não conseguir se expressar como deseja ou pensa de verdade. Tem pais até certo ponto “boas praças”, mas que querem de qualquer forma um bom casamento ao filho e, na casa dele, sempre acontecem reuniões com os sócios ou então festas pequenas como para homenagear o fim dos estudos do filho na universidade, mostrada na fita. Mas Ben, apelido do protagonista, não tem amigos, vive rodeado de pessoas mais velhas que ele e é muito infeliz por não poder viver a vida que aspira.

O inesperado vem à tona: a esposa do sócio de seu pai o seduz de maneira robótica. A senhora Robinson, interpretada com vigor e elegância por Anne Bancroft, o faz de gato e sapato. Manipula-o como bem entende. Suas falas suaves e entoadas, mescladas ao olhar sombrio direcionado a lugar algum, transformam-na em bruxa requintada e bela. Esse paradoxo estranho soa como chamariz para Ben, e ele se derrete por ela num estalar de dedos. A partir daí, passa madrugadas sucessivas ao lado desta mulher no quarto de um charmoso hotel. O distímico recém universitário não tem experiência suficiente para lidar com a amante e o simples ato sexual não o satisfaz. Em um momento da fita, ele vira para ela e solta: “Podemos conversar sobre algo antes?” A dupla não se olha nos olhos e encarar-se mutuamente é proibido. Essa sisudez de ambos atrapalha a relação. Benjamin, então, toma as rédeas do momento e percebe seu envolvimento integral, de corpo e alma, e recua.

Noutro instante de sensibilidade do diretor, destaca-se a cena do mergulho do jovem na piscina de sua casa. O olhar através do visor de mergulho detecta todos os infelizes em volta: pais novamente e os amigos deles. Pensamentos como “o que farei da vida?” e “como será meu futuro?” permanecem o tempo todo no enredo de “A Primeira Noite de um Homem” (“O Graduado”, no título original). Essa sofisma embaraçada de Ben aumenta com a chegada de Elaine (Katharine Ross, que esbanja ternura e delicadeza), filha dos Robinson. Desse minuto até o fim do filme a confusão reina na cabeça do pobre graduado. Apaixonado pela garota da mesma idade, ele novamente se preocupa e fala pouco o que sente. Isso é notado logo no primeiro encontro entre os dois. Adepto da filosofia de organizar tudo certinho, adequar-se aos moldes desta sociedade futre e fútil, Dustin incorpora a sua encarnação o sorriso sereno. Resolve mudar tudo. Quer morrer abraçado a Elaine.

Apesar dos segundos de comédia da película, esta obra de Mike Nichols aborda um dilema hoje afrouxado pela mídia em geral: como fazer feliz a pessoa que gostamos. Não saber pronunciar frases de sentimentalismo barato para agradar o amado ou amada faz parte do cotidiano. O século 21 corre o sério risco de terminar com ruas totalmente vazias, onde o silêncio ensurdece de tão assombrado. A população estará à míngua, relegada ao computador e suas invenções magnânimas. Quando o jovem Hoffman (como Ben) afirma a Elaine “Minha vida é um desperdício”, ele está não só desamarrando um desabafo engasgado na garganta, como põe para fora toda angústia vinda do coração machucado e estragado de muitos adolescentes solitários, cujo problema maior é desconhecer parte da vida. Estes pertencem à categoria diferente dos demais. O que leva um ser de 21 anos a declarar isso? Vai ver a vida para ele nem tem a mesma importância para os demais. A suscetibilidade nasce.

Para o adolescente, versos como “Não cometo o mesmo erro duas vezes / Cometo três, quatro, cinco, seis / Até este erro aprender / Que só o erro tem vez”, de Paulo Leminski, estão banidos. Erros não devem acontecer em hipótese alguma. E pensar assim é exatamente o erro. Não sou precisamente quem deva esclarecer esses pontos, pois pertenço à gama desorientada e me atrevi a tal “obrigação”. Hoje nos vemos com o cérebro girado para lados contraditórios. Pensamos, não abrimos a boca para explicar, e conseqüentemente ficamos taxados de problemáticos. E isso é pouco diante dos fracassos abertos com o passar dos meses e anos. Janeiros vão embora e o aproveitamento perfeito da própria biografia fica aquém daquilo esperado ansiosamente. “A Primeira Noite de um Homem” ilustra bem a vivência atrapalhada de Benjamin, reflexo de uma geração (a atual e a futura) jogada no lixo, sem ter o que fazer. O filme introduz temas, mas não os soluciona. Pobres de nós.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 20/05/2009
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