Ah, se não fossem as guerras... (publicado originalmente em 12/5/2004)

Se não fossem as guerras, provavelmente o cinema não duraria tanto. Teria acabado faz tempo. Quando falta tema na praça, diretores e produtores recorrem “espontaneamente” para as lutas infinitas da nossa humanidade. Todo ano pelo menos uma fita está no ramo. Em 2004, por exemplo, “Tróia”, com Brad Pitt, mostrará as conseqüências trágicas causadas pelo amor entre duas pessoas de lados opostos. Esta história é narrada por Homero no livro “Odisséia” e conta a saga do cavalo gigante de madeira dado de presente que resultou numa batalha extraordinária.

“Alguns, estupefatos, contemplavam o presente, que nos devia ser funesto! Admiraram a massa prodigiosa do cavalo. Cápis grita de longe: Será que não conheceis ainda Ulisses? (...) Troianos, desconfiai deste cavalo!”. Este é um trecho da obra literária “Eneida”, de Virgílio, escritor romano, também sobre a guerra de Tróia (cidade antiga da Ásia menor). Milhares de pessoas saltaram do eqüino falso e mataram muita gente. Em 1955, ao lembrar dos troianos, o cinema realizou uma película épica. Reproduziram com classe refinada as brigas travadas.

Esse assunto (guerras) sempre deu, como se diz por aí, muito “pano para manga”. Bem recentemente, há dois anos, “Gangues de Nova Iorque” (2002), com Cameron Diaz, Leonardo Dicaprio e Daniel Day-Lewis, retratou a desavença entre irlandeses e americanos no século 19. Como fundo, tinha a relação apaixonada entre Cameron e Leonardo, ambos “inimigos”, pois eram de tradições que não se davam. Algo em comum com Tróia? Claro, romances são sempre bem vindos, principalmente em enredos sangrentos, onde cenas embrulham nossos estômagos.

Pego agora a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). Muitos filmes foram feitos sobre o evento maligno, estendido sobre os cinco continentes e que matou mais de 55 milhões pessoas. “A Lista de Schindler” (1993), de Steven Spielberg, esboça a Alemanha nazista infestada por soldados da SS com babas nas bocas para se degladiar com judeus. O diretor ganhou Oscar pelo trabalho e a fita abocanhou a estatueta de filme. O ator Liam Neeson concorreu, mas não levou, na categoria dele. No elenco está ainda Ben Kingsley, o eterno líder pacífico “Gandhi” (1982).

“O Pianista” (2003), outro roteiro com base no holocausto que durou seis anos, é, sem fazer força, magnífico. Adrien Brody, no papel central, esbanja nobreza como o judeu tocador de piano que foge dos nazistas após a família se desfazer devido ao ódio dos alemães raivosos. Recebeu o Oscar de melhor ator. “Pearl Harbor” (2001), com Ben Afleck, resultou no prêmio da Academia para os efeitos sonoros. O ataque surpresa dos japoneses, com o codinome de “kamikazes”, contra os americanos, fez os Estados Unidos entrarem naquela hecatombe real.

Spielberg obteve sua segunda estatueta com outra peleja: “O Resgate do Soldado Ryan” (1998). A película, protagonizada por Tom Hanks (presente na cerimônia da Academia, ele não ganhou Oscar de melhor ator), narra a intensa procura por Ryan, soldado perdido em duelos vis durante a Segunda Guerra. A fita organizou um verdadeiro esquadrão de figurantes, atentos às ordens para agir. Surpreendeu pelas qualidades transcendental e virtuosa. Tem de ter paciência para vê-lo, pois a demora, principalmente no começo, faz as pessoas desistirem, sem insistir.

Em 1991, a Itália mostrou ao mundo os românticos minutos de “Mediterrâneo”. Conta, na década de 1940, a missão de combatentes de ocuparem uma ilha grega no Mediterrâneo. Esses europeus da “Velha Bota”, puxados por um sargento, desembarcam com relativo sucesso. Mas se deparam com o nada. Ninguém estava lá. O navio que os trouxe é afundado e o rádio quebra. Dias passam, e a população local retorna. Os soldados italianos, então, vivem o cotidiano do lugar. A II Guerra termina e eles não sabem se conseguirão largar aquele mundo paradisíaco.

A comédia “Mediterrâneo” arrebatou o Oscar de filme estrangeiro e comoveu o público. Gabriele Salvatores, responsável pela direção, ajeitou o elenco de desconhecidos (Diego Abatantuono, Cláudio Bigagli, Ugo Conti, Vasco Mirandola, entre outros) e o transformou em celebridade abrilhantada e sustentada por um talento inquestionável.

“Falcão Negro em Perigo” (2001), sobre a guerra civil na Somália, deixou arrepiados os espectadores. As cenas da guerrilha, onde sangue jorrava sem cessar, além dos efeitos realistas causados pela excelente maquiagem, deslocou o filme para a categoria “salve-se quem puder”. Takes como dedos mutilados, cabeças atingidas, socorro aos soldados feridos e a austeridade dos comandantes do Tio Sam, polemizaram bastante. Sob batuta firme do diretor Ridley Scott, “Falcão Negro em Perigo” esteve entre os cinco mais votados no quesito “filme” no Oscar.

No Brasil, as revoluções e passeatas contra o golpe de 1964 (guerra dos militares contra o povo, não só comunistas) foram pouquíssimo exploradas. “Prá Frente Brasil” (1982), dirigido e roteirizado por Roberto Farias, trata da Copa do Mundo de 1970 com visão obscurecida pelas torturas dos agentes do governo. No elenco, Elizabeth Savalla, Reginaldo Farias e Antônio Fagundes dão o ritmo à rede de traições, intrigas, prisões, tiros e denúncias falsas na época em que apenas pensar dava motivos modestos para se matar uma pessoa ou trancafiá-la até a morte.

E há, obviamente, muitos outros derramamentos de lágrimas por batalhas motivadas entre gente que mal se conhecia e, por falta de espaço, não foram relacionadas aqui. O cinema, com isso, agradece, pois já dizia o Padre Antônio Vieira: “Nem Deus está seguro numa guerra”. O jeito é delir a realidade.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 16/05/2009
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