O comediante disfarçado e o lutador da boca torta (publicado originalmente em 5/5/2004)
Responda rápido: quais são as semelhanças e as diferenças entre Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone? Para começar, a enorme dificuldade de conseguir aprender a falar o sobrenome do primeiro e vasculhar fitas e mais fitas para achar uma boa atuação do segundo. Nos quesitos parecidos estão os músculos, mas estes minguados devido a idade avançada da dupla: 57 e 56 anos respectivamente. Não adianta tentarem se fazer de fortões porque não cola mais. Claro, o tempo passa para todos. Nem academias de ginásticas têm efeito.
Schwarzenegger até que ostentou trabalhos razoáveis em filmes onde a pancadaria não predominava. Um exemplo aconteceu em “Um Tira no Jardim de Infância” (1990). O austríaco interpretava um policial disfarçado de professor. Caiu de pára-quedas em uma escola infantil e teve de lecionar por um tempo para um bando de pirralhos. A carreira dele iniciou nos anos 1960. Não como ator, mas como fisiculturista. Sua paixão pelo levantamento de peso lhe rendeu cinco títulos de Mister Universo. Foi para os Estados Unidos e naturalizou-se em 1983.
Um pouco antes, na década de 1970, atuou em pequenos papéis com o nome de Arnold Strong (forte, em inglês). Em 1977, participou de “Sapatilha de Ferro”, documentário sobre fisiculturismo. Este foi o derradeiro trabalho com o sobrenome Strong. Escolhido para encarnar “Conan, o Bárbaro” (1982), revelou-se profissional versátil. Depois disso, deixou boquiabertos os críticos em “O Exterminador do Futuro” (1984). Ao contrário de Stallone, não ficou taxado por um determinado personagem (os eternos Rambo e Rocky, o lutador, por exemplo).
Tem lado bom também em comédias. Fez, ao lado de Danny Devito, um dos dois “Irmãos Gêmeos” (1988). Convenceu em “Júnior” (1994) e “Um Herói de Brinquedo” (1996). No “O Vingador do Futuro” (1990), seguiu nas estratégias de aventuras de ficção científica. Deu vida ao andróide assassino, de novo, em “O Exterminador do Futuro II” (1991) e III (2003). Não comprometeu em “True Lies” (1994). Mais recentemente, deu a si, como presente de 50 anos, em 1997, filmar como Mister Freeze na quarta aventura da dupla dinâmica “Batman & Robin”.
Na sucessão desta diversão, retomou o lado guerreiro e matador com “O Sexto Dia” (2000) e “Efeito Colateral” (2001). Ambos os fracassos retumbantes de público e criticados sem dó nem piedade. Atual governador do estado da Califórnia, o republicano Schwarzenegger é casado com a sobrinha do ex-presidente John Kennedy, Maria Shriver. Durante as tumultuadas eleições, sofreu denúncias de dezenas de mulheres, as quais o acusavam de abuso sexual. Não deu a mínima a isso e levou no papo os milhões de votos. As urnas responderam.
Com relação a Sylvester Stallone, porém, escrever igualmente, derretendo-se em rapapés, é impossível e pouco provável. Ele ficou conhecido há 30 anos por estar somente em “filmes de testosterona”. Temos de admitir que em “Rocky, o Lutador” (1976, ganhador dos Oscars de melhor filme e direção, para John Avildsen – concorreu nas categorias ator e atriz, com Stallone e Tália Shire na disputa, mas não levou), ele esbanjou categoria e expôs sua emoção à flor da pele. O roteiro o próprio Stallone montou e ficou responsável.
A trajetória vitoriosa explodiu mundialmente e finalmente ele havia conquistado fama. Antes dos holofotes, trabalhou como demonstrador de pizzas, limpador de jaulas no zoológico e lanterninha de cinema. Em 1971, arranjou um lugar nos sets de filmagem. Foi neste ano que estreou como ator, em um filme pornográfico, “Party at Kitty and Studs” (algo como “Festa de Vaquinha – arrecadação de dinheiro – e os Garanhões”). O sucesso de Rocky se desdobrou em quatro médias continuações, realizadas em 1979, 1982, 1985 e 1990.
Nos aspectos Oscar e Academia, Sylvester teve melhor sorte comparado a Arnold. Contudo, isso ocorreu em um só filme. Interpretou papéis menores em projetos produzidos no fim dos anos 1970 quando lhe caiu nas mãos outro personagem impactante: o veterano da guerra do Vietnã John Rambo. Era como uma luva. Com a boca entortada para um dos lados, as falas do ator viraram motivos de chacota e os inúmeros disparos com a metralhadora foram imitados pelas crianças. O comércio também agradeceu. Demais até. E não era para menos.
Faixas vermelhas para colocar na cabeça, as famosas “facas Rambo”, os bonecos de todos os personagens, carros de brinquedo etc. Tudo virara dinheiro. O primeiro filme de Rambo foi feito em 1982. As duas seqüências foram concluídas em 1985 e 1988. Deixado de lado pelos diretores durante um certo período, voltou à boa forma (a de veterano) em “O Demolidor” (1993) e “O Especialista” (1994), ao lado da selvagem Sharon Stone. Presente em “Risco Total”, da mesma época do demolidor, não rendeu tanto. O marasmo se apagava de vez.
Outro fator preponderante ao fazer um paralelo sério entre as carreiras destes astros-brutamontes é a companhia que tiveram nos filmes. Já citei Devito. Burgess Meredith, Pingüim na série “Batman” (1966 a 1968), fez o treinador de Rocky nas quatro fitas sobre o boxeador. Provou, principalmente no último, em 1990, que aos 82 anos podia deixar sua marca. De fato, deixou. Com Sharon Stone, parceira de Stallone em “O Especialista”, aconteceu o mesmo. A maioria dos espectadores pensava que ela sabia apenas cruzar as pernas. Ela tinha algo mais.
Sharon (olha a intimidade), aliás, trabalhou com os dois. Com Schwarzenegger, fez par “romântico” em “O Vingador do Futuro” e exatamente através desta obra ficou conhecida no mundo todo. Todavia, a imensa maioria dos demais filmes deixa a desejar em se tratando de bons atores e atrizes. Talvez as crianças de “Um Herói de Brinquedo” e “Um Tira no Jardim da Infância” corresponderam e agradaram tanto Arnold quanto os espectadores. A inocência delas contrabalançou com a brutalidade do ator. Com Stallone, elas nunca chegaram sequer perto.