Longas durações (publicado originalmente em 1/5/2004)

Para algumas pessoas, assistir televisão é um prazeroso convite à sonolência. Elas não conseguem ficar muito tempo em frente à caixa luminosa e logo piscam os olhos, até caírem de vez no cochilo madrugador. Quando se trata de filmes então, é pior. Com histórias longas, nem é preciso relatar aqui. Ao longo desses anos, realizações cinematográficas surpreenderam muita gente, mesmo com vários e vários minutos de duração. O exemplo mais famoso recai, sem dúvida, sobre “... E o Vento Levou” (1939). Produzido por David O. Selznick e estrelado por Vivien Leigh e Clark Gable, este enredo sobre a guerra civil americana levou centenas de milhares de pessoas às salas para apreciarem majestosos 240 minutos (quatro horas exatas). Selznick conseguiu, através de Margaret Mitchell, os direitos da saga pouco depois de fundar a própria empresa, em 1936. “... E o Vento Levou” emociona platéias até hoje.

Isso, porém, não chega nem próximo do mais alargado de todos os tempos. Em 1992, a Alemanha lançou no circuito comercial, entre os dias cinco e nove de setembro, “Die Zweite Heimat”, com inacreditáveis 25 horas e 32 minutos de duração (contando os créditos finais). Isso mesmo: 25 horas e 32 minutos. O recorde está registrado no Guinness Book de 1996. A película rodou sem cortes e a direção ficou com Edgar Reitz. As poltronas, ao contrário do imaginário popular, ficaram lotadas. A explicação para essa audiência maciça para uma obra tão elástica salta aos olhos: a propaganda em cima do filme foi perfeita, o público ficou curioso e pronto, o faturamento das bilheterias estava absolutamente garantido. Não sei se nas sessões havia intervalos. Mas seriam raros aqueles que suportariam ficar um dia inteiro sem se levantar de uma cadeira para ir ao banheiro ou para ao menos se movimentar e esticar os ossos.

De volta à normalidade, mais recentemente tivemos dois exemplos desse tipo de relógio adiantado: “Titanic” (1997) e a trilogia de “O Senhor dos Anéis” (2001, 2002 e 2003). A primeira narra um romance dentro do navio mais esperado do planeta, em meio à tragédia da batida dele num iceberg gigante. As aventuras de Leonardo Dicaprio e Kate Winslet abocanhou 11 estatuetas do Oscar (concorria em 13) e tem 185 minutos (três horas e cinco minutos). Pelo menos, a canção executada por Celine Dion tem algo de aroma inebriante nisso tudo. A voz da cantora canadense embalou paixões arrebatadoras. “Titanic” gerou bastante polêmica, graças a avalanche de críticas negativas pela atuação pobre de Leonardo. Esse revés não resultou em fracasso. Os dólares lucrados passaram de um bilhão. Produtos com a marca cansaram de sair das prateleiras. Cadernos, camisetas, canetas, pôsteres etc. Trio de horas bem rentáveis esse...

Já “O Senhor dos Anéis” parece ter sido feito sob medida. O primeiro, “O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel” (2001), tem precisas três horas. Em alguns cinemas brasileiros, aconteceram intervalos de 15 minutos entre uma parte e outra. No segundo, “O Senhor dos Anéis – As Duas Torres” (2002), mais 180 minutos de desespero pelo tal anel dourado protegido por Frodo e Sam. Cortes para lanches e água seguiram, mas os protestos dos pagantes não acabaram. Claro, todos desejavam ver a história sem parar, sem “recreio”. “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” (2003), a última seqüência, ultrapassou a marca média dos dois anteriores: 200 minutos. Neste, predominou, para o bem de todos, a tranqüilidade no escurinho do cinema. O incômodo foi anulado. Somados os três, mais os créditos, dá um total de nove horas e meia. Apenas 37% das 25 horas do recordista alemão. Haja paciência para vê-lo.

Outra trilogia, a de “O Poderoso Chefão” (1972, 1974 e 1990), também faz qualquer senhora adormecer no sofá. Estrelado pelo então cinquentão Marlon Brando, Al Pacino e Robert de Niro, o um e o dois ganharam Oscar de melhor filme (pela primeira e única vez até hoje a Academia premiou as duas primeiras partes de uma obra). Ambos têm três horas. A família Corleone e as confusões arrumadas por ela, centralizada na figura do papai (Brando), teve direção de Francis Ford Coppola. Em 1990, um pouco atrasado, o terceiro episódio foi para os sets de filmagem e também esteve entre os cinco concorrentes ao Oscar, mas não levou. Geralmente, epopéias como estas citadas costumam agradar e engolir mini-estátuas de filme do ano. Outros exemplos: “Spartacus” (1960), “Ben-Hur” (1959), “A Noviça Rebelde” (1965), “Mary Popins” (1964) e “Coração Valente” (1995). Todos com mais de 180 minutos.

Podem ter muito tempo de fita, mas, convenhamos, possuem altíssima qualidade. Todos os filmes comentados na coluna de hoje representaram um marco definitivo na trajetória de quase 110 anos da sétima arte. Procurem nas locadoras estas autênticas obras-primas dos mais consagrados diretores e deliciem-se. É um enredo melhor que o outro, pode apostar. Mais saiba desde já que terá de apreciar calmamente os minuciosos segundos, cena a cena, fala a fala, take a take. Vale a pena lembrar dos protagonistas referentes às películas do parágrafo anterior: Kirk Douglas, Charlton Heston, Julie Andrews e Mel Gibson, respectivamente. Portes espetaculares em atuações esplêndidas e caras. “1900” (1976), do diretor italiano Bernardo Bertolucci, ocupa posição acima destes. Não na essência, mas na duração: cinco horas e 18 minutos. Nem é esta a mais renomada conquista de Bertolucci. É carregada de imagens poéticas, características dele.

O café com colheradas de açúcar será bem-vindo. Não apague as luzes e procure ver os alongados filmes durante a tarde. Tudo isso, evidentemente, se você não for apaixonado pelo cinema. Caso seja, então assista a qualquer hora, porque o sono não irá dominar. São só dicas...

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 15/05/2009
Código do texto: T1596720
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.