Palmas aos documentaristas (publicado originalmente em 21/2/2004)

Fazer filmes épicos, cujas rendas das bilheterias previstas serão um estrondo, não é fácil, mas basta ter boa qualidade ou utilizar algum chamariz para atrair espectadores e o resultado esperado estará garantido. Isso não vale para documentários. São raríssimos aqueles que conseguem despertar atenção do público ou, mais difícil ainda, cobrir os gastos usados para a produção de uma atração deste quilate. Ao contrário dos filmes, os documentários colocam nas telas grandes a imagem de uma realidade às vezes pouco explorada, nem tanto conhecida e, na maioria dos casos, não vista a olhos nus.

Em 2003, o planeta ficou perplexo quando o cineasta Michael Moore, apontado como um dos ferozes críticos do presidente americano George Bush, disparou palavras nada leves contra o inimigo de Sadam Hussein em plena festa do Oscar. Moore, ganhador do prêmio com o documentário “Tiros em Columbine” (2002), tem na polêmica seu carro chefe. Agarrou a epidemia de assassinatos cometidos por jovens em escolas no mundo todo e realizou um trabalho excepcional. Adolescentes treinando tiro ao alvo com armas de fogo perigosíssimas chocaram muita gente. A globalização é tétrica.

Claro, este não foi o primeiro e nem será o último feito de Moore. Porém, são poucas as pessoas que vêem com bons olhos certos fatos. O reconhecimento para ele é, necessariamente, um mero, doce e pacato acaso. A alemã Leni Riefenstahl padeceu deste mesmo mal. Por décadas carregou o amargo título de “a cineasta de Hitler”. Não era para menos. Nos anos 1930, iniciou um trabalho para o ditador sanguinário que gerou muita controvérsia. Produziu o maravilhoso “O Triunfo da Vontade” (1935). Nele, podem ser vistas imagens espetaculares e inovadoras para a época.

Adolf Hitler, então primeiro-ministro, surge esplêndido diante de milhares de pessoas hipnotizadas pelas frases fortes e firmes dele. Esse documentário registrou um estratosférico comício do Partido Nazista em Nuremberg. Incumbida de novas tarefas, todas sobre o período ditatorial alemão, fez “Olimpíadas” (1938). Celebrou o corpo humano e as conquistas dos Jogos de 1936, em Berlim, sua cidade natal. O atleta negro Jesse Owens, dos Estados Unidos, surpreendentemente apareceu. Ele ganhou medalhas de ouro e sepultou o mito da raça superior (a ariana) imposto por Hitler.

Poucos anos depois do término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em 1952, Leni esclareceu formalmente a relação que teve com o nazismo: nenhuma. Apenas cumpria “ordens”. Conseguiu dessa maneira lançar no mercado “Tiefland” (1954), começado 15 anos antes. Desde esse tempo, se debruçou em projetos de sua outra paixão: o fotojornalismo. Cobriu com maestria os Jogos Olímpicos de 1972, também na Alemanha, mas em Munique. Faleceu aos 101 anos de idade, em oito de setembro de 2003, reverenciada pelos críticos de cinema. Morreu sob aplausos merecidos e demorados.

No Brasil, Eduardo Coutinho é mestre nesse tipo de obra. Nascido em São Paulo em 1933, o documentarista se especializou em realizar bons roteiros na Rede Globo, onde fez parte do time do “Globo Repórter” na década de 1970. Nos últimos tempos, cingiu fama com “Cabra Marcado para Morrer” (1985), “Babilônia” (2000) e o mais comentado de todos, “Edifício Máster” (2002). Neste derradeiro, amealhou várias conversas filmadas com moradores de um conhecido prédio do Rio de Janeiro. A característica peculiar de projetos deste tipo é a veracidade. A verdade crua e pura no vídeo.

Fazer documentários não é para qualquer um. Os documentaristas são, sem exceção e antes de tudo, pesquisadores à exaustão. Vasculham sem pestanejar fitas de vídeo antigas, documentos empoeirados, fotos amareladas. Entrevistam pessoas as quais podem ter demorado meses e até anos para encontrar. Após toda essa maratona suada e demorada, a montagem abrange tempo integral. Como em um longa-metragem, analisam cada segundo do material captado. É preciso perspicácia e sagacidade para compreender este mundo, rodeado de dificuldades e barreiras e repleto de preconceitos.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 06/05/2009
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