A tristeza quase imperceptível de Charles Chaplin (publicado originalmente em 17/1/2004)
Os olhos estavam sempre marejados. O rosto, na maioria das vezes, transmitia uma expressão deprimente. O sorriso, difícil de ver, não revelava nada sobre a vida particular do maior ícone do cinema mudo. Charles Chaplin fazia rir, mas vivia sentado em dilemas sérios. Trabalhava em função de gracejos e era bastante sapiente. Ao ultrapassar a porta de casa, no entanto, a transformação se dava de forma natural. Sentia-se como se estivesse em um gêiser. Só aguardava a água baixar para seguir em frente com seus pensamentos polêmicos, suas frases escalafobéticas.
Certa vez, quando estava na faculdade, ouvi a seguinte frase de um professor: “Os olhos de Chaplin, quando fitavam aquele cachorro, transmitiam toda a desilusão do mundo. Todos os sentimentos mais plangentes estavam ali”, disse ele à classe quase lotada, referindo-se ao filme “O Garoto” (1921), um dos momentos mais emocionantes do cinema. No momento, não dei importância àquela afirmação. Depois, notei o quão certo o professor estava. Ao assistir a cena, senti uma profunda sensação soturna e melancólica em torno de mim. Senti pena de todos nós.
Talvez esta seja a verdadeira razão pela qual Charles Chaplin ter se empenhado mais nas comédias. Como a rotina era demasiadamente taciturna com ele, o ator preferia o paradoxo: fazer gargalhar para não debulhar em lágrimas. Chaplin viveu sozinho desde a infância. Logo quando nasceu, em 16 de abril de 1889, na cidade Walworth, estado de Londres, o pai o abandonou nos braços da mãe, uma doente mental. Foi levado a um orfanato, onde cresceu em volta de vazios. Não aspirava o futuro. Nenhum futuro.
O destino, porém, lhe guardava algo especial. Aos 17 anos, já livre do orfanato, entrou para uma companhia de atores e mais tarde foi contratado por uma produtora de filmes dos Estados Unidos. De meados da década de 10 até os anos 20, rodou centenas de curtas metragens (imortalizou aí o personagem Carlitos), exibidos semanalmente pela TV Cultura até poucos meses atrás. Todos mudos, obviamente. As cenas do tipo “pastelão”, onde as caídas ao chão e as brigas recheadas de tapas na cara, com cenários extremamente precários, marcaram o humor simples e despretensioso. Chaplin iniciava uma carreira de brilho e confusões. Era uma espécie de montanha-russa.
Apesar de filmar preciosidades como “Em Busca do Ouro” (1925), “Tempos Modernos” (1936), o hilário “Um Grande Ditador” (1940) e “Luzes da Ribalta” (1952), Charles era perseguido pelas posições políticas que tinha. O marcarthismo foi cruel com ele. Decepcionado, resolveu deixar os norte-americanos e se exilou na Suíça com a esposa Oona na metade de década de 50. Voltou à terra do tio Sam muitos anos depois, em 1972, para receber um Oscar honorário, mas ficou somente um mês, tempo do visto de permanência que possuía. Dizia sempre: “Eles ainda têm medo de mim”.
No fim de carreira, amargou sucessivos fracassos. Na verdade, nunca se adaptou totalmente ao cinema falado (era crítico ferrenho do som nos filmes quando estes foram implantados). Apesar de o tempo ter abrandado sua mordacidade, a língua dele continuava afiada: “Não voltaria aos Estados Unidos nem que Cristo fosse o presidente”, comentou em uma entrevista. Quando morreu, todos comemoravam naquele dia o nascimento de um outro “garoto”, algo em comum com aquele filme épico e soberbo. Era 1977. Dia 25 de dezembro.