Nada ao mestre do suspense (pubicado originalmente em 14/1/2004)

Pouco antes de morrer, em 29 de abril de 1980 aos 80 anos de idade e 55 de carreira, Alfred Hitchcock recebeu do governo inglês o título de Cavaleiro Comendador do Império Britânico. Virou sir Alfred Hitchcock. Mas não foi reconhecido como deveria. Este prêmio recebido quase postumamente não representou sequer uma reles migalha do que o “Mestre do suspense”, como foi denominado ainda em vida, fez para o cinema mundial. Pelo menos o público o pôs em um pedestal onde repousará eternamente.

De família cujos rigores religiosos foram fortes, Alfred cresceu com medo do pai e da mãe. Aos 21 anos, largou a formação rígida e partiu em busca de um sonho: entrar para o mundo do cinema. Iniciou a trajetória com elaboração de roteiros. Depois de algum tempo, quando um famoso estúdio cinematográfico abriu filial em Londres (onde nasceu, em 13 de agosto de 1899), virou assistente de direção. Os dois filmes de estréia foram rodados na Alemanha em 1925 e 1926 e eram mudos. Com acuidade, realizou “O Locatário” também em 1926. Recebeu aplausos dos espectadores.

E é exatamente neste filme que Hitchcock fez sua primeira aparição relâmpago. Um dos extras (figurantes) faltou na gravação e o próprio diretor o substituiu. A partir daí, ver Alfred nas telas se transformou em obrigação por parte dele. “Se eu não aparecesse, quem visse o filme ficava intranqüilo. Quando eu aparecia, era um alívio: agora podemos respirar”, disse certa vez. A angústia era verdadeira. Nas décadas de 30 e 40, estourou como fenômeno nas películas. Fitas como “O Homem que Sabia Demais” (1934, refilmado em 1956) e “Rebecca, a Mulher Inesquecível” (1940, ganhador do Oscar de melhor filme) são referências até hoje no quesito suspense.

De degrau em degrau, Hitchcock se aprimorava. Sagaz e ao mesmo tempo sisudo, ele empolgava platéias com cenas de tirar o fôlego. Quem não se sentiu um autêntico voyeur em “Janela Indiscreta” (1954) ou então cansou de se sentir perseguido em “Intriga Internacional” (1959, uma verdadeira obra-prima)? Além das histórias bem montadas e armadas, a maioria dos roteiros tinha uma mesma idéia: o inocente é declarado culpado e, com o desenrolar dos fatos e com muita pressão psicológica, começa a se sentir realmente o mais odiado dos verdugos.

As trilhas sonoras eram impecáveis. Exemplo disso está em “Psicose” (1960), na famigerada cena do chuveiro. Lá, o som das facadas foi feito através de pontadas em mamão. O sangue era chocolate líquido. Os atores e atrizes também eram a calhar. Grace Kelly está deslumbrante tanto em “Janela Indiscreta” como em “Disque M para Matar” (1954). A dupla Kim Novak e James Stewart está primorosa e sazonal em “Um Corpo que Cai” (1958, considerado o melhor suspense da história do cinema). Tudo para Hitchcock era assim: escolhido a dedo.

Imitado, reverenciado, aplaudido. E não era pela grande pança que exibia quando surgia repentinamente nos filmes. Tampouco pela calvície cultivada desde jovem e pelas bochechas caídas como a de um cão buldogue. Recebeu cinco indicações ao Oscar. Não ganhou nenhuma. Aos 80 anos, ainda trabalhava. Rodava “A Curta Noite”. Porém, não conseguiu concluir o filme. A herança, contudo, é maior que a vida dele. Filmes e mais filmes para serem assistidos a exaustão, sem o cansaço bater à porta. Alfred Hitchcock foi (e continua sendo) um histrião cordato de alma senil.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 01/05/2009
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